Já foi dito diversas vezes que
a intensidade das frustrações corresponde às expectativas
criadas. Pois bem, o engraçado início de O
Tempo de Amanhã sugere que iremos assistir ao menos
uma boa comédia. Num deboche à baboseira pop - ao estilo
Padre Marcelo Rossi – que impregnou setores da Igreja
Católica, somos apresentados a um monge que, após anos
de clausura, é convidado a voltar ao mundo exterior,
integrando a banda musical de sua ordem. Enquanto se
apresenta em um festival, reconhecido pela esposa (que
havia abandonado), é sumariamente expulso do convento
e retorna à casa de sua família com a mesma surrada
e cafona roupa de ginástica que usava quando saíra,
17 anos antes, para dar uma corrida e nunca mais voltar.
Tudo isso acontece nos primeiros dez minutos do filme,
durante os quais o diretor, roteirista e protagonista
Stuhr (dono de vasta carreira como ator no cinema polonês)
demonstra um ótimo senso de sátira e ironia e um aparente
domínio de tempo cômico.
Mas logo em seguida começam as frustrações, com o tom
satírico sendo abruptamente abandonado em prol de uma
tosca e moralista crítica de costumes. A família de
Jerzy Koziol (personagem de Stuhr) é apresentada como
depositária de todos os “males do mundo moderno”: a
esposa é uma dondoca fútil casada com o chefe de uma
quadrilha de ladrões de carros, a filha mais velha exibe
sua intimidade em um programa de TV, o filho assessora
um político desonesto e a filha caçula é uma ninfomaníaca
viciada em computador e namorada de um traficante. Convenhamos,
é demais para uma só família. E Koziol, chocado em meio
a toda a suposta degradação que a sociedade contemporânea
encara com naturalidade, vai aos poucos assumindo, desastradamente,
diga-se de passagem, o papel de salvador.
Dessa forma, à medida que se desenvolve a ação de O
Tempo de Amanhã, Stuhr não assume a ironia e vai
se posicionando como um velho rancoroso que acredita
ser o mundo a sua volta uma espécie de Sodoma e Gomorra.
Com isso, o filme vai aos poucos se configurando como
uma nova e piorada versão do superestimado Invasões
Bárbaras. Para dizer mais, durante a sua quase-pregação
moralista, Stuhr abandona todo tipo de sutileza, esteja
ela na criação de situações para o roteiro, seja na
forma indolente e preguiçosa com que dirige as seqüências
supostamente mais dramáticas. Demonstra ser, também,
no mínimo inconsistente quando tenta criar um contexto
político que justifique as ações prévias de sua personagem.
Só não se pode deixar de dizer que, como ator, Jerzy
Stuhr está muito bem, em especial nas cenas cômicas.
Mas isso não é suficiente para tirar o gosto frustrante
que fica ao pensarmos no bom filme que O
Tempo de Amanhã talvez pudesse ter sido caso mantivesse
rítmo e clima de seu princípio. Essa sensação só aumenta
no final, quando por alguns momentos a comédia retorna
e tudo parece, de algum modo, voltar a funcionar.
Gilberto Silva Jr.
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