O TEMPO DE AMANHÃ
Jerzy Stuhr, Pagoda na jutro, Polônia, 2003

Já foi dito diversas vezes que a intensidade das frustrações corresponde às expectativas criadas. Pois bem, o engraçado início de O Tempo de Amanhã sugere que iremos assistir ao menos uma boa comédia. Num deboche à baboseira pop - ao estilo Padre Marcelo Rossi – que impregnou setores da Igreja Católica, somos apresentados a um monge que, após anos de clausura, é convidado a voltar ao mundo exterior, integrando a banda musical de sua ordem. Enquanto se apresenta em um festival, reconhecido pela esposa (que havia abandonado), é sumariamente expulso do convento e retorna à casa de sua família com a mesma surrada e cafona roupa de ginástica que usava quando saíra, 17 anos antes, para dar uma corrida e nunca mais voltar. Tudo isso acontece nos primeiros dez minutos do filme, durante os quais o diretor, roteirista e protagonista Stuhr (dono de vasta carreira como ator no cinema polonês) demonstra um ótimo senso de sátira e ironia e um aparente domínio de tempo cômico.

Mas logo em seguida começam as frustrações, com o tom satírico sendo abruptamente abandonado em prol de uma tosca e moralista crítica de costumes. A família de Jerzy Koziol (personagem de Stuhr) é apresentada como depositária de todos os “males do mundo moderno”: a esposa é uma dondoca fútil casada com o chefe de uma quadrilha de ladrões de carros, a filha mais velha exibe sua intimidade em um programa de TV, o filho assessora um político desonesto e a filha caçula é uma ninfomaníaca viciada em computador e namorada de um traficante. Convenhamos, é demais para uma só família. E Koziol, chocado em meio a toda a suposta degradação que a sociedade contemporânea encara com naturalidade, vai aos poucos assumindo, desastradamente, diga-se de passagem, o papel de salvador.

Dessa forma, à medida que se desenvolve a ação de O Tempo de Amanhã, Stuhr não assume a ironia e vai se posicionando como um velho rancoroso que acredita ser o mundo a sua volta uma espécie de Sodoma e Gomorra. Com isso, o filme vai aos poucos se configurando como uma nova e piorada versão do superestimado Invasões Bárbaras. Para dizer mais, durante a sua quase-pregação moralista, Stuhr abandona todo tipo de sutileza, esteja ela na criação de situações para o roteiro, seja na forma indolente e preguiçosa com que dirige as seqüências supostamente mais dramáticas. Demonstra ser, também, no mínimo inconsistente quando tenta criar um contexto político que justifique as ações prévias de sua personagem.

Só não se pode deixar de dizer que, como ator, Jerzy Stuhr está muito bem, em especial nas cenas cômicas. Mas isso não é suficiente para tirar o gosto frustrante que fica ao pensarmos no bom filme que O Tempo de Amanhã talvez pudesse ter sido caso mantivesse rítmo e clima de seu princípio. Essa sensação só aumenta no final, quando por alguns momentos a comédia retorna e tudo parece, de algum modo, voltar a funcionar.

Gilberto Silva Jr.