Os primeiros instantes de Subterrâneos
já apresentam a proposta do filme com clareza e intensidade:
é uma tentativa de retratar o centro comercial brasiliense
CONIC, seus habitantes e seus ambientes. Tudo começa
de forma um tanto frenética, com a locução do personagem
(que, logo saberemos, se chama Breno e é um pretenso
escritor) repassando em off
como poderia começar seu relato, enquanto as imagens
invadem e nos mostram o ambiente a ser retratado. A
tentativa deste retrato, mostra-se, portanto, ciente
de sua incapacidade em dar conta de todo este universo
(as coisas não podem ser mostradas em sua totalidade),
permeada por uma angústia constante e que não precisa
ser justificada (os sentimentos nunca são de todo decifráveis).
Esta angústia é presente sobretudo nas figuras de Breno
e de Angela - e o filme se filia sem pudor a este sentimento.
É preciso para o filme falar daquele lugar, mas é preciso
também confrontar seus personagens às realidades do
lugar (e não apenas exibi-lo) - ainda que este confronto
aconteça ficcionalmente, como ocorre nos episódios em
que Breno cria constrangimentos discutindo com outras
figuras (tanto com um engraxate quanto com o fascista
de barbearia) ou em que o italiano Giovanni, com
seu olhar estrangeiro, tenta filmar a sua versão do
CONIC. Não há passado ou futuro dos personagens a discutir
- o interesse é pelos momentos retratados naquele ambiente,
o interesse é por uma sensação de tempo presente. Mesmo
que o olhar seja incapaz de dar conta de todo este instante
presente, não há qualquer apelação psicologizante que
seja dada aos personagens: não importa tanto de onde
vieram, o que importa é perceber, até onde for possível,
seu momento e o que sentem no lugar onde estão. É nisto
que o filme encontra força e interesse.
Há, certamente, uma agressividade na representação do
ambiente e de seus personagens – mas esta agressividade
(que tanto mal tem feito a alguns filmes recentes) aqui
nunca se traduz em desprezo ou chacota. O filme se norteia
por um certo olhar documental sobre a realidade do CONIC,
mais interessado em tentar compreender e vivenciar um
pouco que seja aquele mundo, mesmo ciente da insuficiência
do gesto, do que em exibi-lo sob a perspectiva do grotesco.
Se talvez não se encontre de todo (porque nunca tem
certeza do que seria a sua procura), o filme sabe fugir
de alguns caminhos já trilhados e equivocados - não
há desprezo pelo mundo, não há interesse em uma fuga
atrás de isolamento, nem se deixa levar o filme por
um retrato folclorizante dos habitantes do lugar. Certo
em procurar e descobrir em todos seus momentos, Subterrâneos,
com sua falta de céu quase integral, seu ambiente claustrofóbico
e angustiado, não é facilmente digerível. Não esconde
que, se tivesse cheiro e peso, teria o cheiro e o peso
do CONIC, monstro de concreto onde a ação se passa.
Em diversos momentos estabelece com o espectador uma
relação de confronto e agressividade, nem todos bem-sucedidos
– e sai-se confuso ou frágil eventualmente, como na
situação do estrangeiro filmando o lugar (onde uma possível
crítica ao “documentarista gringo” soa bastante problemática)
, mas tem melhor resultado ao pôr em crise esse dito
“olhar documental”, como acontece no diálogo final entre
dois personagens que dizem ter relatado apenas mentiras
ao documentarista.
Esta opção por filmar os instantes (sem antes nem depois)
e áreas de um local (sem o espaço de fora, praticamente)
dá ao filme um tom único, uma noção de que, certo ou
errado, este olhar não se repete, não se re-encena.
Isto transmite um certo sentimento de urgência que,
se não é a maior qualidade do filme (e não é mesmo),
certamente é das mais raras de se encontrar em filmes
brasileiros recentes.
Daniel Caetano
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