SUBTERRÂNEOS
José Eduardo Belmonte, Brasil, 2003

Os primeiros instantes de Subterrâneos já apresentam a proposta do filme com clareza e intensidade: é uma tentativa de retratar o centro comercial brasiliense CONIC, seus habitantes e seus ambientes. Tudo começa de forma um tanto frenética, com a locução do personagem (que, logo saberemos, se chama Breno e é um pretenso escritor) repassando em off como poderia começar seu relato, enquanto as imagens invadem e nos mostram o ambiente a ser retratado. A tentativa deste retrato, mostra-se, portanto, ciente de sua incapacidade em dar conta de todo este universo (as coisas não podem ser mostradas em sua totalidade), permeada por uma angústia constante e que não precisa ser justificada (os sentimentos nunca são de todo decifráveis).

Esta angústia é presente sobretudo nas figuras de Breno e de Angela - e o filme se filia sem pudor a este sentimento. É preciso para o filme falar daquele lugar, mas é preciso também confrontar seus personagens às realidades do lugar (e não apenas exibi-lo) - ainda que este confronto aconteça ficcionalmente, como ocorre nos episódios em que Breno cria constrangimentos discutindo com outras figuras (tanto com um engraxate quanto com o fascista de barbearia) ou em que o italiano Giovanni, com seu olhar estrangeiro, tenta filmar a sua versão do CONIC. Não há passado ou futuro dos personagens a discutir - o interesse é pelos momentos retratados naquele ambiente, o interesse é por uma sensação de tempo presente. Mesmo que o olhar seja incapaz de dar conta de todo este instante presente, não há qualquer apelação psicologizante que seja dada aos personagens: não importa tanto de onde vieram, o que importa é perceber, até onde for possível, seu momento e o que sentem no lugar onde estão. É nisto que o filme encontra força e interesse.

Há, certamente, uma agressividade na representação do ambiente e de seus personagens – mas esta agressividade (que tanto mal tem feito a alguns filmes recentes) aqui nunca se traduz em desprezo ou chacota. O filme se norteia por um certo olhar documental sobre a realidade do CONIC, mais interessado em tentar compreender e vivenciar um pouco que seja aquele mundo, mesmo ciente da insuficiência do gesto, do que em exibi-lo sob a perspectiva do grotesco. Se talvez não se encontre de todo (porque nunca tem certeza do que seria a sua procura), o filme sabe fugir de alguns caminhos já trilhados e equivocados  - não há desprezo pelo mundo, não há interesse em uma fuga atrás de isolamento, nem se deixa levar o filme por um retrato folclorizante dos habitantes do lugar. Certo em procurar e descobrir em todos seus momentos, Subterrâneos, com sua falta de céu quase integral, seu ambiente claustrofóbico e angustiado, não é facilmente digerível. Não esconde que, se tivesse cheiro e peso, teria o cheiro e o peso do CONIC, monstro de concreto onde a ação se passa. Em diversos momentos estabelece com o espectador uma relação de confronto e agressividade, nem todos bem-sucedidos – e sai-se confuso ou frágil eventualmente, como na situação do estrangeiro filmando o lugar (onde uma possível crítica ao “documentarista gringo” soa bastante problemática) , mas tem melhor resultado ao pôr em crise esse dito “olhar documental”, como acontece no diálogo final entre dois personagens que dizem ter relatado apenas mentiras ao documentarista.

Esta opção por filmar os instantes (sem antes nem depois) e áreas de um local (sem o espaço de fora, praticamente) dá ao filme um tom único, uma noção de que, certo ou errado, este olhar não se repete, não se re-encena. Isto transmite um certo sentimento de urgência que, se não é a maior qualidade do filme (e não é mesmo), certamente é das mais raras de se encontrar em filmes brasileiros recentes.

Daniel Caetano