Desde seus primeiros minutos,
o que mais emana da tela em Sonhos de uma Noite de
Inverno é uma profunda melancolia. Na medida
em que acompanhamos (numa imagem captada em digital
de definição tão feia quanto as
paisagens que os personagens habitam ou que o clima
do local passa) a volta de Lazar para sua casa, sentimos
com força que não se trata de nenhum tipo
de retorno triunfal, de nenhum filho pródigo,
e sim da tentativa de juntar os cacos de uma vida perdida.
Isso está tanto no rosto do personagem (e deve-se
louvar a bela presença em cena de Lazar Ristovski),
quanto na sua relação com o seu país.
Aqui é preciso abrir-se um primeiro parêntese:
assim como já se disse que é quase impossível
se ver um filme de Israel onde a questão palestina,
ou que seja da história violenta que marca o
país da fundação até hoje,
não estejam presentes mesmo que no fundo da construção
dos personagens, o mesmo acontece com os países
envolvidos nos traumáticos conflitos nos Balcãs
do fim dos anos 80, início dos 90. Sérvia,
Bósnia, Croácia (ainda que esta bem menos),
é raro um filme que venha destes países
que não traga o subtexto destes conflitos em
sua trama. Neste Sonhos..., o que parece ser
subtexto eventualmente (quanto mais ficamos sabendo
do personagem de Lazar) se transformará em parte
da trama mesmo. O interesse que isso tem, para além
da reincidência temática ou da relevância
nesta história, é que o fantasma desta
guerra tão complicada (por colocar vizinhos em
lados opostos, por acontecer numa situação
de guerrilha que permite pouco respeito a qualquer "Lei
de Guerra", por envolver questões que são
milenares - mais uma vez, assim como o Oriente Médio)
parece assombrar estas histórias em mais de um
sentido.
Portanto, quando ao retornar Lazar acaba encontrando
duas pessoas (uma mulher e sua filha autista, abandonadas
pelo marido/pai) instaladas na sua casa (que havia ficado
deserta após a morte da mãe dele - o que
insere na trama a interessante questão dos espólios
largados pela guerra), e logo em seguida vai encontrando
nelas o motivo de viver que já não tinha
mais; ainda assim, sentimos que a redenção
não é um final possível para nenhum
daqueles personagens, tal a carga anterior que o ambiente
e a encenação carregam. É como
se Paskaljevic não pudesse vislumbrar outro destino
para seus personagens que não a tragédia,
que não o sofrimento - todo o resto é
ilusão passageira, e assim o filme se encaminha
para um deus ex-machina final completamente atípico
porque, ao invés de solucionar a trama de forma
repentina pela inserção de uma situação
acima dos personagens, ele faz isso tão somente
para forçar a desistência completa (presente
num suicídio) de qualquer possibilidade de avanço,
de vida para além dos fantasmas carregados.
Este final nos empurra pela garganta uma dose quase
insuportável de desesperança e desencanto
- o que acaba sendo um complemento um tanto indigesto
pela opção anterior do filme por uma trama
que beirava (quando não ultrapassava) a pieguice,
criando esta situação do "homem maculado"
encontrando uma missão acima do normal (a de
cuidar de pessoas abandonadas, e uma delas ainda por
cima, deficiente mental). Neste meio do filme, tanto
a trilha sonora quanto algumas encenações
com a menina autista são de franco mau gosto
- e de uma atmosfera mágica inicial, acabamos
mesmo é numa trama radicalmente manipuladora.
Que se mostra tão mais incômoda e estranha
quanto o final sem esperanças. Não há
matizes possíveis, aparentemente, numa Sérvia
do pós-Guerra: entre os sonhos de redenção
absurdos e as tragédias inomináveis, nada
mais (ou melhor, menos) pode tocar um ser humano. É
um quadro um tanto quanto esquizofrênico este
que nos pinta Paskaljevic - e, se não sem impacto
por isso mesmo, também não parece dos
que mais interesse.
Eduardo Valente
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