SONHOS DE UMA NOITE DE INVERNO
Goran Paskaljevic, San zimske nocie, Sérvia, 2004

Desde seus primeiros minutos, o que mais emana da tela em Sonhos de uma Noite de Inverno é uma profunda melancolia. Na medida em que acompanhamos (numa imagem captada em digital de definição tão feia quanto as paisagens que os personagens habitam ou que o clima do local passa) a volta de Lazar para sua casa, sentimos com força que não se trata de nenhum tipo de retorno triunfal, de nenhum filho pródigo, e sim da tentativa de juntar os cacos de uma vida perdida. Isso está tanto no rosto do personagem (e deve-se louvar a bela presença em cena de Lazar Ristovski), quanto na sua relação com o seu país.

Aqui é preciso abrir-se um primeiro parêntese: assim como já se disse que é quase impossível se ver um filme de Israel onde a questão palestina, ou que seja da história violenta que marca o país da fundação até hoje, não estejam presentes mesmo que no fundo da construção dos personagens, o mesmo acontece com os países envolvidos nos traumáticos conflitos nos Balcãs do fim dos anos 80, início dos 90. Sérvia, Bósnia, Croácia (ainda que esta bem menos), é raro um filme que venha destes países que não traga o subtexto destes conflitos em sua trama. Neste Sonhos..., o que parece ser subtexto eventualmente (quanto mais ficamos sabendo do personagem de Lazar) se transformará em parte da trama mesmo. O interesse que isso tem, para além da reincidência temática ou da relevância nesta história, é que o fantasma desta guerra tão complicada (por colocar vizinhos em lados opostos, por acontecer numa situação de guerrilha que permite pouco respeito a qualquer "Lei de Guerra", por envolver questões que são milenares - mais uma vez, assim como o Oriente Médio) parece assombrar estas histórias em mais de um sentido.

Portanto, quando ao retornar Lazar acaba encontrando duas pessoas (uma mulher e sua filha autista, abandonadas pelo marido/pai) instaladas na sua casa (que havia ficado deserta após a morte da mãe dele - o que insere na trama a interessante questão dos espólios largados pela guerra), e logo em seguida vai encontrando nelas o motivo de viver que já não tinha mais; ainda assim, sentimos que a redenção não é um final possível para nenhum daqueles personagens, tal a carga anterior que o ambiente e a encenação carregam. É como se Paskaljevic não pudesse vislumbrar outro destino para seus personagens que não a tragédia, que não o sofrimento - todo o resto é ilusão passageira, e assim o filme se encaminha para um deus ex-machina final completamente atípico porque, ao invés de solucionar a trama de forma repentina pela inserção de uma situação acima dos personagens, ele faz isso tão somente para forçar a desistência completa (presente num suicídio) de qualquer possibilidade de avanço, de vida para além dos fantasmas carregados.

Este final nos empurra pela garganta uma dose quase insuportável de desesperança e desencanto - o que acaba sendo um complemento um tanto indigesto pela opção anterior do filme por uma trama que beirava (quando não ultrapassava) a pieguice, criando esta situação do "homem maculado" encontrando uma missão acima do normal (a de cuidar de pessoas abandonadas, e uma delas ainda por cima, deficiente mental). Neste meio do filme, tanto a trilha sonora quanto algumas encenações com a menina autista são de franco mau gosto - e de uma atmosfera mágica inicial, acabamos mesmo é numa trama radicalmente manipuladora. Que se mostra tão mais incômoda e estranha quanto o final sem esperanças. Não há matizes possíveis, aparentemente, numa Sérvia do pós-Guerra: entre os sonhos de redenção absurdos e as tragédias inomináveis, nada mais (ou melhor, menos) pode tocar um ser humano. É um quadro um tanto quanto esquizofrênico este que nos pinta Paskaljevic - e, se não sem impacto por isso mesmo, também não parece dos que mais interesse.

Eduardo Valente