Alexander
Payne sabe o filme que faz, sabe conduzir sua história,
sabe dirigir seus atores. E, de certa forma, ele supre
a necessária continuidade geracional do filão
Altman/Allen de filmes alternativamente mainstream,
algo que a vinheta da Fox Searchlights antes do começo
do filme propriamente dito vem confirmar. Até
aí, nenhum problema. A questão é
como se configura o jogo que Payne quer realizar com
seus espectadores, a maneira como ele se utiliza de
pequenos artifícios para manter-se sempre à
distância, um tanto acima de seus personagens.
Sideways, assim, faz o fechamento de uma trinca
de filmes os outros sendo Eleição
e As Confissões de Schmidt extremamente
aclamada por uma certa linhagem de público e
crítica, mas que extraem sua eficácia
a partir de uma mordacidade fácil e de um miserabilismo
loser muito na moda façon Todd
Solondz, Beleza Americana, Terry Zwigoff. Tudo
isso de uma forma muito bem apessoada, light se
se quiser, de fazer o ponto de vista do filme
tirar o corpo fora do drama dos personagens. Antídoto?
Wes Anderson...
Sideways conta a história de Miles Raymond,
escritor fracassado, marido divorciado e enólogo
contumaz. Incapaz de dar os passos necessários
que fariam sua vida mudar (profissionalmente, sentimentalmente),
ele acomoda-se dando aulas de literatura para o segundo
grau quando deseja uma carreira de escritor, e amofinhando-se
como solteiro carrancudo quando deseja voltar para sua
antiga esposa. Uma despedida de solteiro de seu amigo
Jack uma viagem de uma semana pelos vinhedos
da Califórnia é o pretexto que
o filme utiliza para nos mostrar o fracasso existencial
de Miles. Primeira opção errada: colocar
como contraponto de Miles um personagem tão estupidamente
arquetípico como Jack um ator de segunda
categoria que ganha a vida trabalhando em comerciais
e novelas vagabundas, mulherengo ao nível da
canalhice, de quem Miles se aproxima para compensar
de forma masoquista sua baixa auto-estima. Ambos são
losers, mas de naturezas diferentes: um é
autêntico em sua busca, o outro é falso;
um só destrói a si mesmo, o outro destrói
tudo que toca; ambos são evidentemente desfuncionais,
mas um deixa isso claro e o outro esconde numa efígie
de mármore (ou de pele bronzeada). Em todo caso,
um não é o contra-plano perfeito do outro,
e observar em um não perspectiva de forma alguma
o olhar em cima do outro (a não ser para criar
uma condescendência um tanto patética com
Miles por ser o menos pior dos dois).
Ora, seria um drama-comédia de nariz empinado
em que toca jazzinho de elevador o tempo inteiro, estrelando
Laurel e Hardy (só trocando a diferença
de gordura pela de comportamento e o pastelão
pelo slapstick) partindo por uma viagem de carro
de uma semana a melhor maneira de compor um retrato
semi-simpático da estagnação de
um homem na mediocridade? Só se a única
história possível de ser contada for o
circuito das pequenas neuroses cotidianas e a lógica
do constrangimento que dela deriva: Miles sabe avaliar
a qualidade de um vinho, e Jack é ridículo
quando faz isso; Jack é ótimo para se
aproximar das mulheres, e Miles é de uma timidez
patológica; ambos, naturalmente, ganham risos
da platéia por suas deficiências de saber.
Segunda opção errada: num filme que pretende
desenvolver uma relação sincera entre
espectador e personagens, aqui não rimos com
eles, mas deles. Todos os lugares-comuns
de situações de embaraço surgem
uma hora ou outra: a mentira que sai errado, um casal
na sala ouvindo outro casal no quarto ao lado urrar
ao fazer sexo, um homem andando pelado no meio da rua,
momentos patéticos da vida conjugal, uma bebedeira
que coloca tudo a perder, etc.
Alexander Payne, como os irmãos Coen antes dele,
tem um pé fincado na comédia americana
dos anos 30-40. Mas onde os Coen a usam como referência,
Payne se instala. O cinismo é inerente a ambos
(ou aos três), mas ao menos há que se conceder
aos Coen que o mundo que os interessa é mais
o da forma do cinema do que aquilo que preexiste ao
enquadramento, o mundo. No caso de Alexander Payne,
não há essa desculpa. Ele encara o registro
cinematográfico como uma simples questão
de eficiência narrativa e storytelling,
nada particularmente original e que não se saiba
de cor o filme é absurdamente previsível
em todo seu desenrolar , a imagem servindo mais
como veículo de uma história do que como
algo pensado e construído para um fim específico
e próprio. Se há algum interesse no cinema
de Payne, este flutua muito mais no terreno do entertainment
com suplemento de alma do que numa seara artística
propriamente dita. Payne não deixa que a mediocridade
de seus personagens se instale na forma de seu filme,
e isso paradoxalmente deixa Sideways por isso
mesmo medíocre. Strike three. You're
out.
Ruy Gardnier
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