SIDEWAYS - ENTRE UMAS E OUTRAS
Alexander Payne, Sideways, EUA, 2004

Alexander Payne sabe o filme que faz, sabe conduzir sua história, sabe dirigir seus atores. E, de certa forma, ele supre a necessária continuidade geracional do filão Altman/Allen de filmes alternativamente mainstream, algo que a vinheta da Fox Searchlights antes do começo do filme propriamente dito vem confirmar. Até aí, nenhum problema. A questão é como se configura o jogo que Payne quer realizar com seus espectadores, a maneira como ele se utiliza de pequenos artifícios para manter-se sempre à distância, um tanto acima de seus personagens. Sideways, assim, faz o fechamento de uma trinca de filmes – os outros sendo Eleição e As Confissões de Schmidt – extremamente aclamada por uma certa linhagem de público e crítica, mas que extraem sua eficácia a partir de uma mordacidade fácil e de um miserabilismo loser muito na moda – façon Todd Solondz, Beleza Americana, Terry Zwigoff. Tudo isso de uma forma muito bem apessoada, light se se quiser, de fazer o ponto de vista do filme tirar o corpo fora do drama dos personagens. Antídoto? Wes Anderson...

Sideways conta a história de Miles Raymond, escritor fracassado, marido divorciado e enólogo contumaz. Incapaz de dar os passos necessários que fariam sua vida mudar (profissionalmente, sentimentalmente), ele acomoda-se dando aulas de literatura para o segundo grau quando deseja uma carreira de escritor, e amofinhando-se como solteiro carrancudo quando deseja voltar para sua antiga esposa. Uma despedida de solteiro de seu amigo Jack – uma viagem de uma semana pelos vinhedos da Califórnia – é o pretexto que o filme utiliza para nos mostrar o fracasso existencial de Miles. Primeira opção errada: colocar como contraponto de Miles um personagem tão estupidamente arquetípico como Jack – um ator de segunda categoria que ganha a vida trabalhando em comerciais e novelas vagabundas, mulherengo ao nível da canalhice, de quem Miles se aproxima para compensar de forma masoquista sua baixa auto-estima. Ambos são losers, mas de naturezas diferentes: um é autêntico em sua busca, o outro é falso; um só destrói a si mesmo, o outro destrói tudo que toca; ambos são evidentemente desfuncionais, mas um deixa isso claro e o outro esconde numa efígie de mármore (ou de pele bronzeada). Em todo caso, um não é o contra-plano perfeito do outro, e observar em um não perspectiva de forma alguma o olhar em cima do outro (a não ser para criar uma condescendência um tanto patética com Miles por ser o menos pior dos dois).

Ora, seria um drama-comédia de nariz empinado em que toca jazzinho de elevador o tempo inteiro, estrelando Laurel e Hardy (só trocando a diferença de gordura pela de comportamento e o pastelão pelo slapstick) partindo por uma viagem de carro de uma semana a melhor maneira de compor um retrato semi-simpático da estagnação de um homem na mediocridade? Só se a única história possível de ser contada for o circuito das pequenas neuroses cotidianas e a lógica do constrangimento que dela deriva: Miles sabe avaliar a qualidade de um vinho, e Jack é ridículo quando faz isso; Jack é ótimo para se aproximar das mulheres, e Miles é de uma timidez patológica; ambos, naturalmente, ganham risos da platéia por suas deficiências de saber. Segunda opção errada: num filme que pretende desenvolver uma relação sincera entre espectador e personagens, aqui não rimos com eles, mas deles. Todos os lugares-comuns de situações de embaraço surgem uma hora ou outra: a mentira que sai errado, um casal na sala ouvindo outro casal no quarto ao lado urrar ao fazer sexo, um homem andando pelado no meio da rua, momentos patéticos da vida conjugal, uma bebedeira que coloca tudo a perder, etc.

Alexander Payne, como os irmãos Coen antes dele, tem um pé fincado na comédia americana dos anos 30-40. Mas onde os Coen a usam como referência, Payne se instala. O cinismo é inerente a ambos (ou aos três), mas ao menos há que se conceder aos Coen que o mundo que os interessa é mais o da forma do cinema do que aquilo que preexiste ao enquadramento, o mundo. No caso de Alexander Payne, não há essa desculpa. Ele encara o registro cinematográfico como uma simples questão de eficiência narrativa e storytelling, nada particularmente original e que não se saiba de cor – o filme é absurdamente previsível em todo seu desenrolar –, a imagem servindo mais como veículo de uma história do que como algo pensado e construído para um fim específico e próprio. Se há algum interesse no cinema de Payne, este flutua muito mais no terreno do entertainment com suplemento de alma do que numa seara artística propriamente dita. Payne não deixa que a mediocridade de seus personagens se instale na forma de seu filme, e isso paradoxalmente deixa Sideways por isso mesmo medíocre. Strike three. You're out.

Ruy Gardnier