Se as primeiras seqüências
de Casa de Areia e Névoa revelam várias
deficiências, não deixam de apresentar
algo de promissor. Há elegância na forma
que o estreante Perelman trabalha a decoração
dos vários ambientes, tão importantes
para o drama que transcorre, e há também
um curioso estranhamento dado a proposta do filme: construir
um melodrama a partir da disputa por um imóvel,
criada por um erro jurídico. É algo que
não é filmado todo dia, e com que a maior
parte dos espectadores pode se identificar. Mas, olhando
após a sessão fica a pergunta: como é
que tudo deu tão errado a ponto de o resultado
final soar grotesco?
Pelo desenrolar da trama, baseada num best seller de
mesmo título, não é difícil
concluir que a única forma de levar aquela cadeia
de eventos a sério seria se ela fosse tratada
num tom farsesco ou alegórico (ou outra forma
que permitisse ao espectador não imaginar tais
eventos de modo realista). Como filme "de prestígio",
seríssimo, em que a cada cena somos lembrados
por diretor e atores da importância do projeto,
a coisa tende a desabar para a comédia involuntária.
Temos, por exemplo, a personagem de Ron Eldard, que
nos é primeiro apresentado como um simpático
e dedicado policial mas que, numa seqüência
de uns quatro dias, se transforma em perigoso psicopata
(e, sim, o filme pede que nós a compremos como
uma lenta e gradual transformação psicológica).
O filme todo aparenta ser um caso típico de um
romance de bastante carga simbólica sendo adaptado
por alguém que ignora isso, e tenta tratá-lo
como drama psicológico - e o tipo de desastre
que estas adaptações mal feitas podem
gerar. Neste sentido é bastante ilustrativo.
Quanto mais o filme avança, os defeitos do trabalho
de Perelman se tornam mais evidentes. Há desde
coisas básicas como a dificuldade de desenvolver
sua narrativa dentro da proposta de forma convincente
(há, por exemplo, um sem número de cenas
com Ben Kingsley, como chefe de família iraniana
e ex-coronel da polícia secreta, falando inglês
enquanto a esposa lhe responde em farsi) até
a obsessão irritante do diretor por montagens
paralelas (algumas são de uma obviedade ainda
maior que as de As Horas, o equivalente de Casa
da Areia e Névoa da temporada passada). Isto
sem contar a supostamente rebuscada fotografia de Roger
Deakins, que parece acreditar que uma imagem cheia de
névoa equivale a uma imagem artística.
Exemplo dos piores do academicismo reinante no cinema
americano dito sério, o filme chega a deixar
saudades de melodramas "para Oscar" feito
por artesãos de segunda linha da indústria
como um Sydney Pollack. Mas nada que prepare o espectador
para os 30 minutos finais, uma comédia de erros
na frente e atrás das câmeras, que revelam
Perelman como um diretor cujo talento para a comédia
– involuntária – é dos mais acentuados
(há uma cena especialmente engraçada,
ou ofensiva dependendo do estado de espírito
do espectador, onde Kingsley pede a Alá pela
vida do filho). Como a coisa toda é séria,
só dá para encarar se pensarmos que Perelman
quis fazer um filme em que o sofrimento do espectador
equivalesse ao de tentar provar que não deve
uma conta falsamente atrasada.
Filipe Furtado
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