REICH FRAMBOESA
Bruce LaBruce, The Raspberry Reich, Alemanha, 2004

É muito desagradável constatar como todos os movimentos políticos que agitavam o mundo há coisa de quarenta anos atrás hoje procuram políticas de inserção “tolerante” na sociedade que lhes garantam uma convivência mais ou menos pacífica em troca do conformismo generalizado. Pode-se questionar a eficiência e a função prática dessa estratégia na vida das “minorias” (negros, homossexuais, imigrantes), mas é certo que militância hoje é uma palavra que carrega um pecha de provocação inconseqüente, de uma violência intolerável na nova ordem vigente no mundo. Antes tínhamos os Black Panthers, hoje temos os movimentos de ação afirmativa. Antes, os filmes políticos tentavam engajar pela forma; hoje em dia, filmes como Fahrenheit 9/11, para serem “políticos”, precisam submeter-se à forma espetacular reinante da televisão para surtir efeito. Será que o não-conformismo virou coisa de hippie velho e de moleque irresponsável?

Antes que alguém se apresse em responder na positiva, cabe dizer peremptoriamente que não. Mesmo porque, se nos calássemos, Reich Framboesa diria isso para nós. O filme de Bruce LaBruce encerra tantas problemáticas acerca de militância, sociedade contemporânea, arte e vida engajada, terrorismo e não-conformismo transformado em commodity – além, claro, de identidade sexual, tema principal da obra inteira de BLB – que fica muito difícil jogar nele um apressado rótulo de “filme gay” ou qualquer outra conceituação que tente conjurar seu conteúdo ou as questões que o filme traz  num ambiente de porralouquice. Pois bem, Reich Framboesa é um grande filme militante. E como é um filme de militância homossexual anti-conformista, ele faz uso de diversas práticas para chamar a atenção para  sua(s) causa(s): sexo explícito gay, slogans e palavras de ordem que pulam brilhando na tela, música eletropunk, happenings na rua, humor provocativo contra os outros e contra si mesmo.

Reich Framboesa é uma espécie de A Chinesa que troca Mao Tse-tung por Wilhelm Reich – e a Revolução Cultural pela “Intifada Homossexual”, como eles gritam em uma de suas palavras de ordem. Um grupo de jovens militantes organiza o grupo revolucionário Reich Framboesa e decide seqüestrar o filho de um poderoso empresário a fim de chamar atenção para as suas reivindicações. Como no filme de Godard, o despreparo político e estratégico do grupo o impede de funcionar direito (em A Chinesa, porque a jovem intelectualidade maoísta-marxista-leninista está isolada do resto da população, em Reich Framboesa porque o grupo é mais “radical chic” do que propriamente radical), mas isso não impede que surja alguma coisa de muito verdadeiro na busca político-existencial da turma. Em chave ao mesmo tempo de comédia de erros e de filme militante, o filme emenda uma a uma frases extraordinárias, como “A revolução é meu namorado” (quando a protagonista Gudrun recusa ao namorado a fidelidade sexual), “Junte-se à Intifada homossexual”, “Hip-hop corporativo é contra-revolucionário”, “Madonna é contra-revolucionária” ou o melhor de todos “A heterossexualidade é o ópio das massas”.

O conteúdo explícito de Reich Framboesa não é só para fazer sensação: dos pontos de vista político, sexual e de encenação, ele sempre age de modo a fazer levantar questões cruciais acerca de ação individual, ação de grupo, militantismo, identidade sexual e imagem como espetáculo. Um filme cult pornô gay explícito já é em si mesmo um objeto de contestação: de contestação ao olhar heterossexual que tem preconceitos, mas também ao olhar homossexual, tanto o conformista quanto aquele que deseja fechar seu comportamento e raio de ação num gueto de iguais (LaBruce contraria a lógica do filme gay colocando relações heterossexuais no filme). Da mesma forma, era intenção do filme jogar nova luz aos grupos terroristas de esquerda anti-conformista dos anos 70 – os Weathermen, o Baader-Meinhof (de onde a protagonista Gudrun tira seu nome) – para ver em que medida ainda há uma verdade sobre esses grupos que não se reduz facilmente ao puro niilismo, como dizem os engravatados da “guerra ao terror”. Bruce LaBruce, em Reich Framboesa, faz o verdadeiro filme militante de atualidades: ele não se preocupa em montar um discurso e mostrar como ele é verdadeiro, mas apresentar um determinado cenário e especular com ele. Quando alguém hoje em dia faz filmes por acreditar que a imagem serve para levantar questões, e não para respondê-las, é necessário aplaudir. Aplaudamos, então, LaBruce e sua célula militante.

Ruy Gardnier