PROCURADAS
José Frazão e Zeca Pires, Brasil, 2004

Não se passa incólume por uma sessão de Procuradas, isso é certo. Um olhar mais otimista diria que, só por isso, o filme já possui algum interesse ante uma produção nacional eventualmente um tanto anódina. Entretanto, é preciso ser realmente muito otimista para se dizer isso.

Há que se abrir mão, por exemplo, de qualquer preocupação com o que constitua uma mise-en-scène: em Procuradas, tudo parece jogado na tela da primeira forma que veio ao mundo. Não há um plano no filme inteiro que pareça obedecer a um mínimo de conceituação - e não se está falando aqui em intelectualização do ato de fazer um filme, pois mesmo no sentido mais simples do “contar uma história” cada plano do filme é dantesco. Mal enquadrados, com entradas e saídas de cena completamente aleatórias, montado num fluxo de informações completamente tosco no seu encadeamento. Mas, atenção: que esta descrição não traga à mente, de forma nenhuma, a liberdade que o cinema-selvagem de um Afonso Brazza, por exemplo, permite. Em Procuradas, a falta de encadeamento narrativo-visual é de outra ordem, a do “colocado em cena de qualquer maneira”, e não a do “colocado em cena sem regras”.

Pode-se tentar filiar Procuradas a duas correntes de cinema para justificar seu “discurso”. Primeiro, o de um cinema de gênero, popular, onde o sexo e a trama policial se juntariam retomando uma certa safadeza de um cinema nacional anterior. Mas, não há como defender a sério esta filiação: Procuradas é tudo menos sensual, pois nenhum corpo feminino em cena é desejável, e no filme o sexo é sempre algo sujo, algo a ser “curado”. Descartada esta opção (e isso, é preciso que se diga, o próprio filme faz), sobra uma possível tentativa de inserir o filme num cinema de preocupação social, que trata do “drama” das garotas de programa (no caso, em Florianópolis). Esta filiação, aliás, parece ser a que o filme busca, a julgar principalmente pelo seu final. No entanto, melhor seria pensar que os diretores não estão tentando montar um discurso a sério sobre nada, porque senão a coisa fica complicada toda vida.

Se “defendendo” a partir de uma pesquisa com prostitutas (que inclusive recebem crédito no roteiro do filme como colaboradoras) no que se refere a uma possível relação com a “realidade”, o discurso que o filme articula a partir disso não pode ser considerado menos do que o mais moralista que se vê no cinema nacional em algum tempo (e olha que os concorrentes são fortes). Primeiro por arranjar a péssima desculpa cênica de encenar um documentário dentro do filme, onde atrizes (sempre absolutamente equivocadas) reproduzem, supõe-se, os depoimentos que o roteirista colheu com as prostitutas. Mas nesta encenação só fica de fora, vejam só, qualquer indício de Verdade – e nisso importa menos que as palavras equivalham a alguma realidade, porque a forma como elas são ditas e encenadas não equivalem. Segundo, porque a trama ficcional que é montada como espelho desta pesquisa, envolvendo a documentarista (pior personagem que o dela, só o do seu namorado) e duas garotas de programa sumidas, impõe uma leitura da realidade deste mundo (o das garotas de programa) sob uma luz absolutamente deplorável, culpabilizadora e vitimizante, onde antes de qualquer preocupação humana vem à tona um enorme moralismo. E, aí, não há nada que sobre.

Não há como tentar encarar Procuradas, excluídas estas duas possibilidades de leitura, sob qualquer outro aspecto minimamente interessante. Porque não será sob o aspecto formal que se conseguirá fazer isso: a realização é de uma fotografia em vídeo tosca, o desenvolvimento narrativo varia entre o banal e o francamente inacreditável, as atrizes estão todas em tom completamente equivocado – tudo isso encaminhando o filme para um clímax dramático incrivelmente mal resolvido numa seqüência de cenas de efeito cômico (ao invés do drama buscado): a revelação da trama da garota de programa, supostamente catártica; o crime; o epílogo. Poderíamos até buscar inúmeros exemplos de cenas e/ou diálogos para comprovar estas idéias, mas parece um esforço realmente desnecessário: Procuradas fala por si mesmo.

Eduardo Valente