Não se passa incólume por uma
sessão de Procuradas, isso é certo. Um olhar
mais otimista diria que, só por isso, o filme já possui
algum interesse ante uma produção nacional eventualmente
um tanto anódina. Entretanto, é preciso ser realmente
muito otimista para se dizer isso.
Há que se abrir mão, por exemplo, de qualquer preocupação
com o que constitua uma mise-en-scène: em Procuradas,
tudo parece jogado na tela da primeira forma que veio
ao mundo. Não há um plano no filme inteiro que pareça
obedecer a um mínimo de conceituação - e não se está
falando aqui em intelectualização do ato de fazer um
filme, pois mesmo no sentido mais simples do “contar
uma história” cada plano do filme é dantesco. Mal enquadrados,
com entradas e saídas de cena completamente aleatórias,
montado num fluxo de informações completamente tosco
no seu encadeamento. Mas, atenção: que esta descrição
não traga à mente, de forma nenhuma, a liberdade que
o cinema-selvagem de um Afonso Brazza, por exemplo,
permite. Em Procuradas, a falta de encadeamento
narrativo-visual é de outra ordem, a do “colocado em
cena de qualquer maneira”, e não a do “colocado em cena
sem regras”.
Pode-se tentar filiar Procuradas a duas correntes
de cinema para justificar seu “discurso”. Primeiro,
o de um cinema de gênero, popular, onde o sexo e a trama
policial se juntariam retomando uma certa safadeza de
um cinema nacional anterior. Mas, não há como defender
a sério esta filiação: Procuradas é tudo menos
sensual, pois nenhum corpo feminino em cena é desejável,
e no filme o sexo é sempre algo sujo, algo a ser “curado”.
Descartada esta opção (e isso, é preciso que se diga,
o próprio filme faz), sobra uma possível tentativa de
inserir o filme num cinema de preocupação social, que
trata do “drama” das garotas de programa (no caso, em
Florianópolis). Esta filiação, aliás, parece ser a que
o filme busca, a julgar principalmente pelo seu final.
No entanto, melhor seria pensar que os diretores não
estão tentando montar um discurso a sério sobre nada,
porque senão a coisa fica complicada toda vida.
Se “defendendo” a partir de uma pesquisa com prostitutas
(que inclusive recebem crédito no roteiro do filme como
colaboradoras) no que se refere a uma possível relação
com a “realidade”, o discurso que o filme articula a
partir disso não pode ser considerado menos do que o
mais moralista que se vê no cinema nacional em algum
tempo (e olha que os concorrentes são fortes). Primeiro
por arranjar a péssima desculpa cênica de encenar um
documentário dentro do filme, onde atrizes (sempre absolutamente
equivocadas) reproduzem, supõe-se, os depoimentos que
o roteirista colheu com as prostitutas. Mas nesta encenação
só fica de fora, vejam só, qualquer indício de Verdade
– e nisso importa menos que as palavras equivalham a
alguma realidade, porque a forma como elas são ditas
e encenadas não equivalem. Segundo, porque a trama ficcional
que é montada como espelho desta pesquisa, envolvendo
a documentarista (pior personagem que o dela, só o do
seu namorado) e duas garotas de programa sumidas, impõe
uma leitura da realidade deste mundo (o das garotas
de programa) sob uma luz absolutamente deplorável, culpabilizadora
e vitimizante, onde antes de qualquer preocupação humana
vem à tona um enorme moralismo. E, aí, não há nada que
sobre.
Não há como tentar encarar Procuradas, excluídas
estas duas possibilidades de leitura, sob qualquer outro
aspecto minimamente interessante. Porque não será sob
o aspecto formal que se conseguirá fazer isso: a realização
é de uma fotografia em vídeo tosca, o desenvolvimento
narrativo varia entre o banal e o francamente inacreditável,
as atrizes estão todas em tom completamente equivocado
– tudo isso encaminhando o filme para um clímax dramático
incrivelmente mal resolvido numa seqüência de cenas
de efeito cômico (ao invés do drama buscado): a revelação
da trama da garota de programa, supostamente catártica;
o crime; o epílogo. Poderíamos até buscar inúmeros exemplos
de cenas e/ou diálogos para comprovar estas idéias,
mas parece um esforço realmente desnecessário: Procuradas
fala por si mesmo.
Eduardo Valente
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