PALAVRAS DO MEU MESTRE
Lesley Ann Patten, Words of my perfect teacher, Canadá, 2003

Planos gerais de uma metrópole qualquer: a multidão anônima transita pelas ruas completamente desorientada e sem rumo. Surge em off a voz da diretora-narradora relatando a história de Buda e o inicio da propagação de sua doutrina. Será o budismo a chave para solucionar os grandes dilemas do homem moderno? Após esses planos iniciais, temos como seqüência final da introdução uma série de imagens captadas em super 8 onde ao mesmo tempo que presenciamos cenas da infância da realizadora, ouvimos a sua voz relatando sua predestinação. Algo misterioso conectaria sua vida à do monge-cineasta Khyenste Norbu, ou pelo menos é isso que o discurso do filme procura nos propor. Somos apresentados então aos dois personagens centrais: a realizadora (que se encontrou no Budismo e que agora está a procura de um mestre adequado) e ao mestre Norbu.

A trajetória da localização e do encontro com o monge serve de pretexto para se esboçar um pseudo e frágil tratado sobre o caos do mundo contemporâneo. Os pensamentos de Patten e de seu companheiro parecem terem sido extraídos do pior que existe da literatura de auto-ajuda: manejando um discurso simplista e superficial os realizadores procuram nos mostrar que vivemos em um mundo hedonista e artificial onde imperam os desejos mais mundanos e descartáveis. Para ilustrar essa concepção (que, convenhamos, já existia muito antes da realizadora pegar a câmera) convida-se Norbu para assistir a uma partida de futebol da Inglaterra contra a Alemanha. Temos a utilização de uma figura tida como especial e iluminada, possuidora de uma concepção de mundo totalmente adversa e em choque com o mundo vigente apenas para ser o anunciador de seu absurdo. O monge vê os torcedores bêbados e os comparam aos freqüentadores de boates, seres que segundo ele escolheram o consumo dos desejos como a meta principal de suas vidas. Onde está a renúncia? Onde está o sacrifício? Sem essas ferramentas será impossível encontrar a transcendência e a paz de espírito.

Norbu é transformado então no guia turístico responsável por nos indicar os espaços (o estádio de futebol foi o primeiro) onde são visíveis as imperfeições desse mundo para assim podermos consertá-lo. Em outro momento, o companheiro e fiel escudeiro de Patten relata que toda ação do homem por mais banal que possa parecer carrega em sua essência a busca pela felicidade. È por causa dessa incansável busca que ele abre a geladeira de madrugada atrás de alimentos que sacie a sua não-fome. Todos os prazeres externos não passam de meras ilusões que escondem o fato incontestável que a felicidade do homem não pode estar em outro lugar além de dentro dele mesmo.

Boa parte do filme se centra na discussão de como deve ser a relação entre o aprendiz e o seu mestre. O aprendiz deve desafiar o mestre? Como saber se o seu mestre é ou não é um impostor? Intercalando depoimentos de um jovem que recusou o seu destino de ser um professor budista com os do ator Steven Segal essa problemática torna-se ainda mais polêmica. É curioso perceber que o tema da busca de um guru ideal e perfeito ganha um espaço inacreditável tornando-se superior na escala de importância até mesmo ao próprio Norbu. Na verdade, estamos diante de um manual que ensina a escolher gurus e que atesta com todas as suas forças a urgência de se ter um. Para completar todas as pieguices que esse "manual" parece não querer abrir mão, somos obrigados a ouvir, em diversas situações, músicas que comentam através de suas letras idéias que o filme já repetiu a exaustão. Se, afinal, uma das mais eficientes estratégias de persuasão é a repetição, nem exercendo essa prática Palavras do meu mestre consegue ter êxito.

Estevão Garcia