Old Boy começa
bem. Somos instalados um tanto selvagemente e sem saber
na ficção de um homem. Primeiro ele está no topo de
um prédio, depois na delegacia cometendo toda espécie
de insanidades, e posteriormente num estranho quarto-prisão
onde é deixado por 15 anos. O ritmo frenético e o savoir
faire de Park Chan-wook – este último já conferido em
Zona de Segurança, mediano filme à moda hollywoodiana
sobre hierarquia no exército – seguram a atenção
por bastante tempo, e permitem ver o cuidado de composição
nos planos e a mais que interessante bizarrice que surge em
cada cena. História de amor, gore, filme de
ação, narrativa da reconstrução de uma vida, tudo isso
aparece no primeiro quarto do filme.
O que dá de tão errado com Old Boy, então?
Não é uma coisa só: primeiramente, Park Chan-wook –
por favor, leitores, perdoem-nos por não "imdbzar"
nomes de artistas coreanos colocando o prenome antes
do nome – tem mais vontade de fazer um filme ágil e
esperto do que um filme onde há propriamente estilo.
Em segundo lugar, a bizarrice some progressivamente,
deixando transparecer por trás dela um senso de que
cada coisa está arrumadinha na trama para ser desvendada
depois (não se vai de Takashi Miike a Charlie Kaufman
impunemente). Por fim, porque toda a metade final de
Old Boy consiste em meter o pé no freio, abrir
o flashback interminável e explicar tintim
por tintim tudo o que não precisávamos saber - e entrar
no pantanoso, modorrento e já tornado clichê terreno
de filmes como Vanilla Sky, Quero Ser John
Malkovich ou Brilho Eterno de uma Mente sem
Lembranças (com direito a temas piegas de sacrifício
caros a filmes como Donnie Darko ou Paraíso).
Old Boy lembra muito o caso Ringu. Inicialmente,
celebra-se em Hideo Nakata a originalidade, o talento
em contar uma historinha, a criação de climas, a virada
narrativa. Uma grande produtora compra imediatamente
o roteiro para um remake americano. Depois,
vê-se que em matéria de estilo Nakata não é lá essas
coisas, e que atribui-se a ele somente um talento de
narração em parâmetros hollywoodianos. Old Boy
parece repetir passo a passo o trajeto de seu similar
japonês: a mesma acolhida pelos mesmos circuitos de
hype, a venda do roteiro para Hollywood, o
futuro sucesso de bilheteria como blockbuster
americano, facilitadas as partes mais "complicadas"
(como comer viva uma lula ou o final). Para Park Chan-wook,
se ele for filmar nos Estados Unidos, está fadado a
ser mais Chen Kaige do que John Woo, mais a desenvolver
uma carreira de pau-pra-toda-obra com bom padrão artesanal
do que para uma sólida carreira de autor.
Durante toda a projeção do filme, permanece a dúvida,
respondida definitivamente na tétrica meia-hora final:
para que serve a imagem em Old Boy? Qual é
seu registro? Panóptico que jamais se problematiza como
tal (seu contracampo nesse sentido seria Olhos de
Serpente de Brian De Palma), submissa até não mais
poder a uma narrativa a ser contada – narrativa que
a tela não ilumina, mas apenas ilustra e lustra –, a
imagem em Old Boy cai presa de um joguete de
roteiro assim como Oh Dae-su (vivido pelo extraordinário
Choi Min-sik) jamais consegue livrar-se de seu colega
de colégio. Limitado a operar tarefas de tradução (de
um mangá, de um roteiro), Old Boy é apenas
um vaga-lume que perde o brilho antes da metade de sua
existência.
Ruy Gardnier
|