MORTE DENSA
Kiko Goifman e Jurandir Müller, Brasil, 2003

A proposta era interessante. Os personagens também. O filme? Parece que ainda não foi feito. Morte Densa é o típico caso de filme de não-ficção que parece que parou na etapa da pesquisa, ou seja: os diretores foram lá, investigaram um tema, entrevistaram potenciais personagens e depois... Bem, depois não se sabia muito claramente o que se fazer com o material.

Não que os diretores não tenham tentado, pelo contrário. Há uma tentativa, sim, de amarrar os depoimentos, mas com o uso fora-de-tom de imagens gritantemente poéticas e uma trilha sonora lânguida (Nick Cave) que parece buscar ainda mais intensidade no que já seria, por si só, intenso. Buscando uma densidade para a montagem de imagens que não se faz (nem de longe) suficiente para agüentar o tranco e servir de palco firme para o desfile de seus personagens.

É de interesse inegável a forma como o filme se aproxima do ato do assassinato buscando se desviar das explicações sociologicamente comportadas, se deixando levar pela narratividade das falas de seus entrevistados (todos presos pelo assassinato de algum ente querido). Mas esse interesse, formalmente traduzido numa seqüência austera de entrevistas sobre fundo preto, parece às vezes ainda não saber de que forma poderia se transformar em filme. Em cinema.

As vozes parecem por vezes sufocadas nas imagens, entrecortadas por algumas sugestões de cenários onde teriam ocorrido os eventos narrados, onde se nota uma incômoda reiteração de ambientes familiares de baixa classe média que parece querer desenhar o que seria mais vivo na imaginação justamente se não desenhado. Além disso, fica ainda uma questão: pessoas ricas não matam seus familiares?

Pode parecer uma pergunta meramente moralista, mas em um filme que parece tentar se levar como uma aproximação existencialista do gesto e do sentimento carregado por aqueles que já mataram alguém próximo, fica perdida essa tentativa vaga de localização sócio-geográfica de seus personagens mostrando casas de tijolos à mostra e ruas da periferia. Ou ao menos é precária a forma com que o filme tenta compartilhar esse recorte sócio-antropológico com o espectador (o contra-plongé de uma mesa de almoço com arroz, farofa e pratos sujos, é constrangedor).

Austeridade por austeridade apenas (os depoimentos), a parte telejornalística do filme funciona, impressiona e faz pensar, sim. É pena é que o resto filme não esteja à altura de seus "atores-narradores".

Felipe Bragança