Há um impressionante
trabalho de câmera em Meu Irmão.
Principalmente porque, em relação a Infidelidade
(filme anterior de Chereau), o enquadramento está
mais educado, mais lúcido e menos maneirista,
sem a histeria daquela mise-en-scène. O enquadramento
baila com agilidade. Os cortes são secos. Em
certo sentido, pode-se desconfiar de uma prisão
ao estilo da moda, uma busca da dinâmica frenética,
tão constante na produção contemporânea,
muitas vezes sem pertinência. É uma impressão
logo desfeita. Porque a câmera e a montagem tem
a função, bem sucedida, de introduzir
o espectador nos ambientes e aproximá-los dos
seres filmados. Em alguns momentos, somos colocados
rente aos corpos, temos nosso olhar colado nas peles,
como se as tocássemos. Em outros, somos mantidos
à certa distância, de modo a vermos, sem
perder a intimidade cultivada pela aproximação
do olhar em relação aos objetos, os personagens
interagindo.
Em ambos os casos, a câmera é detalhista.
Não busca o realismo do plano sequência,
do tempo real igual ao tempo dramático, da revelação
do espaço sem artifícios. Busca sim um
realismo que, com muitos cortes, busca a imagem sem
maquiagens. Persegue a impressão de real, de
vida acontecendo à nossa frente. Embora sinta-se
uma reverência ao diálogo como mecanismo
quase exclusivo de arquitetura dos personagens, resquício
da formação teatral do cineasta, o filme
tem o notável mérito de transformar esses
personagens de ficção em representação
impactante de pessoas de verdade. Sente-se a vida, os
batimentos cardíacos, as respirações
angustiadas. Essa construção de estilo
realista não visa servir a si própria,
mas ao enterro do pudor no registro de imagens chocantes
e desagradáveis, que ao serem exibidas podem
nos causar repugnância sensorial e (est)ética.
Sensorial porque agridem os olhos. Estética porque
essa anda de mãos dadas com a ética e,
em determinados planos, podemos desconfiar de um cheiro
de sensacionalismo. Chereau filma cicatrizes, hemorragias,
a degradação orgânica. Estaria atrás
de uma terapia de choque ou apenas sendo fiel a seu
material? A resposta estará no olhar de quem
vê, porque, embora o diretor proponha-se trafegar
por essa fronteira minada, só mesmo o espectador
pode julgá-lo. Há quem se emocione com
a crueza de seu retrato da experiência do existir.
Há quem repudie seu esforço em perturbar.
Deve-se deixar claro que o procedimento tem sua justificativa.
Meu Irmão tematiza o esvair da vida, a
chegada homeopática e cruel da morte, a inevitabilidade
do fim de cada um. Chereau filma esse processo sem meias
imagens. Não é uma visão mórbida,
mas vital, pois o caminho rumo à morte, como
todos sabem mesmo sem querer lembrar disso, é
do processo de vida. Essa dicotomia está na tela.
É graças à proximidade do fim que
os dois protagonistas vivem mais intensamente. Trata-se
de um homem heterossexual com uma doença incurável
e seu irmão homossexual sobre quem pesa a função
de enfermeiro. Há uma beleza trágica nessa
situação e um lirismo existencialista
como escape a ela. Não se está tratando
de um sujeito doente, mas da condição
humana de forma geral. O personagem pode viver ainda
muitos anos se tomar uma série de cuidados. Um
acidente, porém, pode matá-lo. Como qualquer
ser vivo. No entanto, como não aceita essa mortalidade
à espreita, resolve agir. Toma o rumo de sua
vida nas mãos por não aceitar ficar a
mercê da vida (e da morte). Chereau incomoda não
só pelas opções estilísticas,
mas também por sua postura: coloca uma questão
filosófica bastante incômoda, sobre os
limites do que é estar vivo e apenas não
estar morto. Pode-se até gostar de seu filme,
mesmo sem concordar com seu ponto de vista.
Cléber Eduardo
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