MEU IRMÃO
Patrice Chéreau, Son Frère, França, 2003

Há um impressionante trabalho de câmera em Meu Irmão. Principalmente porque, em relação a Infidelidade (filme anterior de Chereau), o enquadramento está mais educado, mais lúcido e menos maneirista, sem a histeria daquela mise-en-scène. O enquadramento baila com agilidade. Os cortes são secos. Em certo sentido, pode-se desconfiar de uma prisão ao estilo da moda, uma busca da dinâmica frenética, tão constante na produção contemporânea, muitas vezes sem pertinência. É uma impressão logo desfeita. Porque a câmera e a montagem tem a função, bem sucedida, de introduzir o espectador nos ambientes e aproximá-los dos seres filmados. Em alguns momentos, somos colocados rente aos corpos, temos nosso olhar colado nas peles, como se as tocássemos. Em outros, somos mantidos à certa distância, de modo a vermos, sem perder a intimidade cultivada pela aproximação do olhar em relação aos objetos, os personagens interagindo.

Em ambos os casos, a câmera é detalhista. Não busca o realismo do plano sequência, do tempo real igual ao tempo dramático, da revelação do espaço sem artifícios. Busca sim um realismo que, com muitos cortes, busca a imagem sem maquiagens. Persegue a impressão de real, de vida acontecendo à nossa frente. Embora sinta-se uma reverência ao diálogo como mecanismo quase exclusivo de arquitetura dos personagens, resquício da formação teatral do cineasta, o filme tem o notável mérito de transformar esses personagens de ficção em representação impactante de pessoas de verdade. Sente-se a vida, os batimentos cardíacos, as respirações angustiadas. Essa construção de estilo realista não visa servir a si própria, mas ao enterro do pudor no registro de imagens chocantes e desagradáveis, que ao serem exibidas podem nos causar repugnância sensorial e (est)ética. Sensorial porque agridem os olhos. Estética porque essa anda de mãos dadas com a ética e, em determinados planos, podemos desconfiar de um cheiro de sensacionalismo. Chereau filma cicatrizes, hemorragias, a degradação orgânica. Estaria atrás de uma terapia de choque ou apenas sendo fiel a seu material? A resposta estará no olhar de quem vê, porque, embora o diretor proponha-se trafegar por essa fronteira minada, só mesmo o espectador pode julgá-lo. Há quem se emocione com a crueza de seu retrato da experiência do existir. Há quem repudie seu esforço em perturbar.

Deve-se deixar claro que o procedimento tem sua justificativa. Meu Irmão tematiza o esvair da vida, a chegada homeopática e cruel da morte, a inevitabilidade do fim de cada um. Chereau filma esse processo sem meias imagens. Não é uma visão mórbida, mas vital, pois o caminho rumo à morte, como todos sabem mesmo sem querer lembrar disso, é do processo de vida. Essa dicotomia está na tela. É graças à proximidade do fim que os dois protagonistas vivem mais intensamente. Trata-se de um homem heterossexual com uma doença incurável e seu irmão homossexual sobre quem pesa a função de enfermeiro. Há uma beleza trágica nessa situação e um lirismo existencialista como escape a ela. Não se está tratando de um sujeito doente, mas da condição humana de forma geral. O personagem pode viver ainda muitos anos se tomar uma série de cuidados. Um acidente, porém, pode matá-lo. Como qualquer ser vivo. No entanto, como não aceita essa mortalidade à espreita, resolve agir. Toma o rumo de sua vida nas mãos por não aceitar ficar a mercê da vida (e da morte). Chereau incomoda não só pelas opções estilísticas, mas também por sua postura: coloca uma questão filosófica bastante incômoda, sobre os limites do que é estar vivo e apenas não estar morto. Pode-se até gostar de seu filme, mesmo sem concordar com seu ponto de vista.

Cléber Eduardo