MARIA CHEIA DE GRAÇA
Joshua Marston, Maria, llena eres de gracia, EUA/Colômbia, 2004

Embora tenha sido escalada para o segmento Premiere Latina do Festival do Rio 2004, Maria Cheia de Graça é uma produção do canal americano HBO e também dirigida por um americano (o estreante Joshuan Marston, de formação sociológica), que ambientou sua Colômbia no Equador por questão de segurança. Isso só importa para se rebater a acusação, feita por um ou outro crítico, sobre a inadequação do realizador para o projeto, como se, para contar com honestidade a história de uma adolescente colombiana com ambição, coragem e frustração suficiente para virar mula do tráfico mesmo estando grávida, o diretor tivesse de ter nascido na Colômbia. Se a origem do olhar e do dinheiro pode sim ser fundamental no tratamento de um tema, é preciso ir antes a esse tratamento, e não partir de pressupostos anteriores ao filme para julgá-lo. Seu julgamento, de qualquer modo, tem sido positivo. Maria ganhou prêmio de público no Sundance, prêmio principal em Deuville e de melhor atriz em Berlim (para a estreante Catalina Sandino Moreno).

Marston cola a câmera em sua protagonista, a Maria do título, e a acompanha com sobriedade e sem excesso algum. Seu registro é realista sim, mas sem o sensacionalismo estético, a contundência dos enquadramentos armados com movimentos abruptos e a agressividade dos cortes agressivos, que, aos olhos de parte dos críticos de qualquer parte do mundo, caracterizam o cinema latino-americano. Não estamos em mais um daqueles filmes frenéticos, embora, pela tensão promovida pelas situações, a mise en scéne e a montagem adrenalizada fosse esperada. Marston opta pela observação mais estável, com dinâmica nos cortes sim, com mobilidade e leveza de câmera sim, mas não a ponto de sobrepor-se às figuras humanas. Suas opções, do que mostra e de tempo de cena, privilegiam os atores. A ação já é dramática demais para ser reforçada.

Nos primeiros minutos, vemos o ambiente de Maria. Mora em um pequeno vilarejo, trabalha em uma "fábrica de rosas", é oprimida pelo chefe, mal amada pelo namorado, frustrada com seu mundo, revoltada por dar o dinheiro, pouco que seja, para ajudar no sustento da família. Ainda por cima, está grávida. Um rapaz com quem flerta sugere que ela se torne mula do tráfico. Ganhará US$ 5 mil. Negócio fechado. Maria tem de engolir 24 trouxinhas de cocaína e, correndo risco de morrer e de ser presa, carregá-la no estômago até Nova York. Os momentos anteriores ao vôo, até mais que durante, são de suar frio. Marston investe no naturalismo para exibir a preparação, o ensaio com uvas enormes antes de engolir a droga, a dura experiência de enfiar trouxinhas garganta adentro. Seu problema, nessas passagens, é de ritmo. Ele quer resumir os eventos para sabermos mais ou menos como se procede, mas não vai fundo nessa proposta por certa pressa. Melhor seria esticar os planos e assumir a produção de incômodo. O diretor também pega leve, quando no avião, depois de evacuar, Maria lava as trouxinhas e, na seqüência, as engole novamente. Tudo muito limpinho.

O mérito de Marston, em contrapartida, também está na forma, não na relevância social. Sua articulação não tem por objetivo diagnosticar ou denunciar uma questão do Terceiro Mundo, mas usar essa questão como premissa para um drama individual e, sobretudo, centrar toda a dramaturgia na situação vivida por sua protagonista. É impressionante como todos os atores estão espontâneos, em como a câmera está à vontade ao acompanhá-los por seus ambientes, em como se corta com agilidade, mas sem se por a língua de fora. Mesmo na parte ambientada nos EUA, onde a protagonista e uma amiga entram em um enrascada e são bem acolhidas pelos imigrantes latinos de New Jersey, há verdade em cada uma das situações. Pode-se alegar que, no cômputo final, a Colômbia tem visão negativa, os EUA nem tanto, mas, convenhamos, entre o preço por viver na degradação no próprio país e o de batalhar na ilegalidade como imigrante na América, ao menos no caso do filme, não há americanofilia alguma em escolher o exílio. Até porque, e isso está claro no filme, quem sustenta o tráfico, em última instância, são os americanos. Portanto, antes de a americanofobia estimular narizes torcidos, é preciso ir às imagens.

Cléber Eduardo