MAR ABERTO
Chris Kentis, Open water, EUA, 2004

Daniel (Daniel Travis) e Susan (Blanchard Ryan) conversam pelo celular, acertando os últimos detalhes para as férias. Aparentemente longe um do outro, a chegada da esposa no carro onde o marido a espera mostra que não há distância física, e sim afetiva entre os dois. Pois é disso que Mar Aberto trata, a despeito dos tubarões: a dissolução amorosa do casal protagonista.

O filme se inspira no desaparecimento de Tom e Eileen Lonergan, esquecidos pelo barco quando faziam mergulho submarino na costa australiana, em 1998. Nos créditos de abertura, consta que o filme foi “baseado em história real” - mote, também, da campanha publicitária que, com sucesso, transformou-o em fenômeno de bilheteria nos Estados Unidos: ao custo de pouco mais de 100 mil dólares, Mar Aberto já ultrapassou a marca de 35 milhões de arrecadação.

Chris Kentis, porém, não trabalha com a representação naturalista dos acontecimentos. Há, em Mar Aberto, além do barateamento dos custos de produção proporcionado pelo digital, proposta estética no uso da nova tecnologia. De modo que o cineasta, pelo contrário, privilegia o artificialismo da imagem: seja nas seqüências “em terra firme”, filmadas com a estereotipia característica das soap operas, seja nas cenas em que o casal se encontra à deriva no oceano, de cores berrantes e distorcidas (aproveitando o reflexo do sol na água) que apontam para a abstração, Kentis não se esconde atrás da narração invisível - visto que explicita a todo instante os mecanismos da imagética cinematográfica que utiliza na confecção do filme.

Não existe, por certo, inovação no uso do digital em Mar Aberto. Kentis apenas copia os recursos (limitações e potencialidades) oferecidos pelo meio conforme já visto e consagrado em obras anteriores, como Dançando no Escuro, Elogio ao Amor ou Prazeres Desconhecidos: a saber, a multiplicidade de pontos de vista devido à mobilidade da câmera, a falta de profundidade de campo, a luz estourada, as cores saturadas. Da mesma maneira, quanto à construção dramática, Mar Aberto não foge ao meramente convencional, pois responsabiliza, em relação de causa-e-efeito, o trabalho de Susan pelo término do casamento, encenando o rompimento através de infindáveis e cansativos bate-bocas, em meio à ameaça dos tubarões. Como em Marie-Jo e Seus Amores, o mar funciona, para Chris Kentis, também enquanto túmulo para o casal protagonista. No entanto, se Guédiguian acredita na libertação dos códigos burgueses através da morte, Kentis, bem mais modesto, somente exibe a falta de coragem de Daniel e de Susan em encarar a vida de frente.

Paulo Ricardo de Almeida