É um tanto complicado construir
uma visão acerca de uma obra que lhe parece tão distante
em termos culturais, o que surge como um dos empecilhos
da concretização de uma relação mais acertada com O
Revólver Amado. Boa parte do projeto formal do filme
realizado por Watanabe consiste em tentar recriar dentro
das noções de cinema o universo do mangá, e a
partir daí entrelaçar as linguagens até um encontro
que se dá no último plano, onde a imagem congelada se
transforma num quadrinho desenhado. Seria equivocado
também tentar entrar numa discussão sobre os mangás,
tendo em vista que no máximo levaria as idéias para
longe do cinema, ainda que Watanabe realize tudo de
tal forma que não soe tão estranho pensarmos tal objeto
da cultura japonesa.
Se os mangás em si não levantam tanto interesse,
esta tal tentativa de articulá-los enquanto cinema gera
no mínimo uma noção das capacidades do cineasta em manipular
imagens, sejam estas de maior ou menor interesse, sempre
variando dentro do filme. A narrativa se estrutura de
forma a lembrar não só os desenhos japoneses, mas também
trazendo semelhanças estruturais com o western
clássico, o que faz estranho paralelo entre as culturas
orientais e ocidentais. A idéia de dois personagens
– e ainda, matadores, verdadeiros pistoleiros do século
XXI – percorrendo cada um seu caminho para um aguardado
duelo entre si, adicionando ainda uma forte carga emocional,
não só lembra um bocado os faroestes, como também é
um dos pontos de maior interesse do filme - muito mais
do que algumas idéias de cinema extremo que chegam a
lembrar Takashi Miike, mas passando bastante longe do
talento de seu compatriota.
Watanabe é acima de tudo um cineasta capaz de criar
imagens fortes - o próprio longo plano seqüência inicial
é um bom exemplo de imagens que, mesmo questionáveis
em outros quesitos, são de uma habilidade com o pôr-em-cena
que por si só já seguram um forte interesse no filme.
O grande problema, então, surge no fato de que o filme
não se sustenta só por elas, e que constantemente seus
vôos começam a ficar menos interessantes, sempre emperrados
por soluções narrativas eventualmente bobas, mas também
com incursões que não funcionam na maioria do tempo
- como a tentativa de criar uma relação aprendiz e mestre
entre o matador veterano e o jovem principiante. Este
segundo personagem, em particular, é um dos constantes
pontos de queda do filme, construído em cima das piores
piadas (ainda que tenha uma das melhores cenas do filme,
já depois do clímax). Em um filme onde o senso de humor
oscila um bocado, construir um personagem basicamente
em cima de piadas (e no caso deste, raramente de qualquer
graça) não poderia dar muito certo.
Emulador de uma cultura particular japonesa, Watanabe
também irá ecoar um pouco da liberdade formal de um
Seijun Suzuki (com quem trabalhou, aliás), ainda que
com uma distância de qualidade abismal. A forma de construir
um olhar lembrará Suzuki, mais do que o olhar em si.
Se Watanabe ainda precisa amadurecer seu cinema (seja
qual o caminho percorra - e julgando pelos melhores
momentos de O Revólver Amado, preferencialmente
a porralouquice total), este seu segundo longa já traça
alguns que, se nem sempre acertam, possuem seus momentos.
Guilherme Martins
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