LOST ZWEIG
Sylvio Back, Brasil, 2003

Para quem procura características comuns nos filmes dos últimos anos, aqui temos um personagem recorrente: o estrangeiro cujo olhar revela "O Brasil", com este olhar revelador tendo suas características próprias em cada filme (desde A Grande Arte, passando por Tudo É Brasil, Jenipapo, Amélia, O Xangô de Baker Street, O Rio de Jano e por aí vai...). Pois bem, Lost Zweig, o filme mais recente do veterano Sylvio Back, é um novo filme a tratar deste olhar - com a característica de querer retratar um suicida, a partir da história de Stefan Zweig e os conflitos que enfrentou no Brasil até matar-se. É triste a história do personagem e a tese construída é bem clara no retrato que faz do intelectual e do país: o autor de um livro chamado Brasil, País do Futuro foi acusado de apoiar uma ditadura e depois matou-se no seu país do futuro a partir de uma depressão causada por não poder evitar o assassinato de judeus pelo regime nazista, uma vez que não teve a colaboração do governo varguista.

Este retrato da luta do digno intelectual contra a má política, no entanto, teria diversas armadilhas na sua realização, estéticas e narrativas – e, com toda a experiência de Sylvio Back, o filme não parece ter sucesso em escapar delas. Predomina um tom de didatismo e solenidade nas conversas entre os personagens que certamente não contribui para que a narrativa fuja da mitificação cansativa do dito intelectual admirável. Mostra-se longamente a obsessão de Zweig em criar um país judeu num território brasileiro e em obter permissão para tirar seus compatriotas do alcance do regime nazista - mas, se toda a recriação histórica abunda de indignação por uns e admiração pelo outro, ela erra de tom gravemente ao registrar seu percurso. Este tom solene, constante no filme, evidencia a falha no percurso: o cinema didático e questionador faz um discurso convicto de sua superioridade natural, a sabedoria de seus ensinamentos, que traz ao filme um ar em nada surpreendente ou envolvente.

Além disso, o filme arrisca confundir seu olhar com o do estrangeiro com retratos folclóricos óbvios e desprovidos de qualquer surpresa que os possa tornar personagens ou algo mais que estereótipos - seja o político sórdido ou a prostituta ou a mãe-de-santo que conta aos espectadores os estado de espírito do protagonista. É o que se percebe na cena em que um Orson Welles chanchadesco cai de pára-quedas no filme (também num retrato que não foge do estereótipo), filmando algo que, a princípio, teria algo a ver com um carnaval – com pessoas com fantasias de escola de samba desfilando na praia. Esta escola de samba "Unidos de Copacabana" talvez seja a imagem que alguns estrangeiros fazem da folia carioca - mas não conviria a um retrato de um estrangeiro feito no Brasil acreditar nas impressões superficiais de seu protagonista. Esta confusão entre visão superficial e retrato fiel pode não ser a intenção inicial do realizador – mas o filme não consegue fugir dela. Em realidade, o carnaval não era retratado por Welles com mulatas desfilando na praia (a história de praia era com jangadeiros...) e as pessoas não falam inglês no Brasil, nem têm o hábito de fazer traduções simultâneas para o inglês do que dizem em português. Pessoas (e bons personagens) não precisam explicitar suas intenções em todos os momentos, como teimam em fazer os personagens de Lost Zweig - sobretudos os políticos, bons ou maus, que preferem a dissimulação à explicitação grosseira de seus interesses.

E a construção narrativa, se não foge de diversas armadilhas, chega ao ponto de buscar uma para si. A descontinuidade temporal, tão em voga nos filmes recentes, surge no meio do filme sem trazer com isso qualquer ganho ao desenrolar do filme – ao contrário, isto dá à parte final um tom de epílogo interminável, já que o personagem volta à cena após cometer suicídio e ser enterrado. O truque narrativo não evita que a narrativa pareça engessada pelo tom solene sempre presente, nem tampouco ajuda que ela traga à trama tons mais pessoais, ambíguos, falhos, humanos enfim nos personagens e no mundo que quer retratar. Não há selos ou cartas à ex-mulher que possam construir para nós que assistimos uma idéia de sentimentos pessoais se nestes pequenos atos não há qualquer convicção ou interesse da narrativa, preocupada tão-somente em nos mostrar como seu protagonista é admirável.

Um realizador com a história que Sylvio Back tem no cinema certamente tem plena noção das limitações que o tom didático e solene escolhido traria ao filme. Para os que estiverem predispostos a meditar sobre a trajetória de Stefan Zweig, o filme pode mesmo servir como estímulo ou ponto de partida – como já funcionava o livro de Alberto Dines em que se baseou. Aos que não tiverem esta predisposição, no entanto, é improvável que Lost Zweig consiga seduzir ou provocar maiores reflexões.

Daniel Caetano