LEVE MEUS OLHOS
Iciar Bollaín, Te doy mis ojos, Espanha, 2003

Num filme que tem como tema a violência doméstica, as expectativas quase sempre sugerem uma abordagem sensacionalista. Pois bem, o maior mérito de Leve Meus Olhos é justamente evitar o sensacionalismo. Acertada é a escolha da diretora e roteirista Iciar Bollaín em começar a apresentar ao espectador o drama da protagonista Pilar (Laia Marull) justamente pelo momento em que ela sai de casa com o filho, poucas vezes optando, no decorrer da narrativa, pelo recurso do flashback. A platéia é tratada como alguém do círculo de relações de Pilar que vai aos poucos se atendo ao seu sofrimento, resguardado ou mesmo velado por um círculo de aparências e pela introversão característica da personagem.

Outra qualidade evidente no filme é uma não vilanização de personagens a princípio antipáticos, como Antônio, o marido (Luis Tosar), ou a mãe de Pilar (Rosa Maria Sardá). Da mesma forma, Pilar não é retratada como uma santa ou mártir. O filme parece não isentá-la de uma parcela de culpa, mesmo que seja por excesso de passividade, por uma situação que Pilar parece desejar romper somente ao sentí-la insustentável. São seres humanos em sua plenitude, falíveis, mas capazes a seu modo de amar. Dessa forma, mesmo com sua manifesta agressividade, o filme faz questão de deixar claro o sentimento de Antônio por Pilar e seu desejo de não perdê-la, que acaba por sucumbir por intensa insegurança.

Apesar de estar apenas em seu terceiro trabalho na direção, Bollaín tem mais de vinte anos de carreira como atriz, e isto certamente faz diferença da forma como ela conduz seus atores. Tosar já havia marcado presença por exemplo em Segunda-Feira ao Sol e constrói Antônio de forma a ressaltar a fragilidade de sua personagem, mesmo em seus momentos de maior explosão. E Laia Marull é uma surpreendente revelação que faz de Pilar uma flor murcha que vai sutil e gradativamente desabrochando, revelando uma beleza a princípio insuspeita. Atuações mais que exemplares, que em vários momentos justificam o filme em si sós.

Mas, se acerta na direção de atores e na construção de roteiro e personagens, Bollaín deixa bastante a desejar no que tange aos demais aspectos da direção. Sim, o tema pede realismo, mas a mise en scene acaba por não superar um excessivo naturalismo, que impede que o filme ultrapasse os limites da simples correção eficiente. A diretora deixa evidente, com esse naturalismo, uma certa influência de Ken Loach (com quem trabalhara em Terra e Liberdade), só que evitando, felizmente, o maniqueísmo pseudo-politizante deste. Por esta razão, Leve Meus Olhos acaba, ao fim das contas, por se impor como um filme digno, ainda que pouco memorável.

Gilberto Silva Jr.