Num filme que tem como tema
a violência doméstica, as expectativas
quase sempre sugerem uma abordagem sensacionalista.
Pois bem, o maior mérito de Leve Meus Olhos
é justamente evitar o sensacionalismo. Acertada
é a escolha da diretora e roteirista Iciar Bollaín
em começar a apresentar ao espectador o drama
da protagonista Pilar (Laia Marull) justamente pelo
momento em que ela sai de casa com o filho, poucas vezes
optando, no decorrer da narrativa, pelo recurso do flashback.
A platéia é tratada como alguém
do círculo de relações de Pilar
que vai aos poucos se atendo ao seu sofrimento, resguardado
ou mesmo velado por um círculo de aparências
e pela introversão característica da personagem.
Outra qualidade evidente no filme é uma não
vilanização de personagens a princípio
antipáticos, como Antônio, o marido (Luis
Tosar), ou a mãe de Pilar (Rosa Maria Sardá).
Da mesma forma, Pilar não é retratada
como uma santa ou mártir. O filme parece não
isentá-la de uma parcela de culpa, mesmo que
seja por excesso de passividade, por uma situação
que Pilar parece desejar romper somente ao sentí-la
insustentável. São seres humanos em sua
plenitude, falíveis, mas capazes a seu modo de
amar. Dessa forma, mesmo com sua manifesta agressividade,
o filme faz questão de deixar claro o sentimento
de Antônio por Pilar e seu desejo de não
perdê-la, que acaba por sucumbir por intensa insegurança.
Apesar de estar apenas em seu terceiro trabalho na direção,
Bollaín tem mais de vinte anos de carreira como
atriz, e isto certamente faz diferença da forma
como ela conduz seus atores. Tosar já havia marcado
presença por exemplo em Segunda-Feira ao Sol
e constrói Antônio de forma a ressaltar
a fragilidade de sua personagem, mesmo em seus momentos
de maior explosão. E Laia Marull é uma
surpreendente revelação que faz de Pilar
uma flor murcha que vai sutil e gradativamente desabrochando,
revelando uma beleza a princípio insuspeita.
Atuações mais que exemplares, que em vários
momentos justificam o filme em si sós.
Mas, se acerta na direção de atores e
na construção de roteiro e personagens,
Bollaín deixa bastante a desejar no que tange
aos demais aspectos da direção. Sim, o
tema pede realismo, mas a mise en scene acaba
por não superar um excessivo naturalismo, que
impede que o filme ultrapasse os limites da simples
correção eficiente. A diretora deixa evidente,
com esse naturalismo, uma certa influência de
Ken Loach (com quem trabalhara em Terra e Liberdade),
só que evitando, felizmente, o maniqueísmo
pseudo-politizante deste. Por esta razão, Leve
Meus Olhos acaba, ao fim das contas, por se impor
como um filme digno, ainda que pouco memorável.
Gilberto Silva Jr.
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