Se este Koktebel fosse lançado em dois anos, seria
acusado facilmente de plágio, tamanhas as semelhanças
com O Retorno - o filme russo que ganhou o
Leão de Ouro em Veneza em 2003. No entanto, não só são
filmes do mesmo ano (o que torna as coincidências temáticas
e de tratamento quase um caso a ser estudado de tão
impressionantes), como fica uma constatação após ver
os dois: antes a fama e a fortuna de um grande prêmio
tivesse chegado para este pequeno trabalho dos dois
cineastas estreantes, em muito superior ao filme de
Andrey Zvyagintsev. O primeiro plano do filme já instaura
um mistério no olhar sobre o mundo, pela via da mise-en-scène
mesmo: demoramos para entender exatamente o que vemos
(um túnel que sai de uma montanha) e, no longo plano,
só o tempo mostra o verdadeiro assunto do enquadramento,
e do filme em si – pai e filho que emergem de dentro
do túnel. Este tipo de calma e de atenção aos detalhes
ao colocar em cena é exatamente o que Koktebel terá de melhor.
Neste sentido é especialmente forte a meia hora inicial,
com a viagem de trem dos dois personagens e sua primeira
parada, numa estação de beira de estrada, onde tanto
a relação do pai com o responsável pelo local, quanto
(principalmente) a do filho com a filha deste, chamam
a atenção pelo trabalho muito sutil e atento a detalhes
da direção e dos atores. Cada plano parece contar uma
nova história, sem nos tentar afogar com psicologismos
e sim nos dando tempo de convívio com os personagens
na tela. Há muita beleza em vários destes momentos (como
na imagem de um radinho micro-system no exterior de
um banheiro-externo, que só se entende na duração completa
do plano; ou na belíssima decisão de não nos deixar
ouvir o primeiro contato entre o menino e a jovem) -
tudo culminando com a bela sacada que é o plano aéreo
que representa um suposto “dom sobrenatural” do menino,
mas que nunca entendemos exatamente o que é.
Nesta introdução do filme, tudo parece funcionar, e
durante mais um tempo (até a briga entre o pai e o dono
de uma casa abandonada de beira de estrada), o filme
flui com enorme interesse. Daí em diante, é inegável
que há uma certa quebra de ritmo e algumas das opções
dos diretores começam a parecer eventualmente esquemáticas.
A personagem da mulher que os “adota”, por exemplo,
parece ainda não de todo bem trabalhada – mesmo tendo
alguns belos momentos como o da tentativa de pendurar
as cuecas do menino. Fecha esta parte do filme uma impressionante
sequência de exploração da linguagem, com o garoto tirando
fotos com uma câmera sem filme, onde fica marcado o
desejo do registro instantâneo da realidade, mas também
a impossibilidade da captura eterna destes momentos
fugidios.
Daí em diante, mesmo quando o menino abandona o pai
e parte para a estrada sozinho, os cineastas nunca caem
no tipo de patologização que Zvyagintsev tanto exercita
em O Retorno
– aqui, se pai e filho não chegam a se entender, é mais
por uma completa falta de intimidade do que por uma
questão de tornar as relações humanas um circo de horror
traumático. Recusa-se seguidamente um discurso da piedade
em relação ao garoto, e isso é bem mais que apenas uma
pequena qualidade. Se, ao final, há aqui também uma
leitura clara e um tanto banal no registro do rito de
passagem (marcada pela forte sequência do encontro com
a gaivota, no final), há ainda a possibilidade, senão
de uma conciliação totalizante, ao menos de um convívio.
E Koktebel
se fecha talvez não como um filme absolutamente marcante
sobre o tema já tão explorado das relações pai e filho,
mas certamente como uma estréia de dois cineastas que
vale a pena acompanhar no processo de maturação de seu
cinema.
Eduardo Valente
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