Logo no início de Herencia,
uma cena serve de exemplo de tudo que vai dar errado
no filme: desde as primeiras cenas fica bem claro que
as duas linhas de história que o filme acompanha (a
de uma senhora dona de um restaurante de bairro afastado
do Centro, e a de um jovem alemão que vaga por Buenos
Aires atrás de uma paixão argentina perdida) se cruzarão
muito em breve. Só que, quando isso acontece, o que
impressiona mesmo é a forma inepta de encenar-se este
encontro, numa cena que deveria ser cômica, mas resulta
apenas patética (com a mulher atirando um prato na cabeça
do rapaz). Será a primeira de várias.
Estréia em longa-metragem de sua diretora, o filme se
insere, dentro das recentes correntes do cinema argentino
que temos conseguido ver no Brasil, na mesma linhagem
que O Filho da Noiva tornou bastante popular:
a de um certo melodrama com tintas cômicas, com grande
apelo de público e uma narrativa altamente conservadora.
Até aí nada de errado, como deixa ver a crítica que
eu mesmo escrevi do filme acima citado. A questão não
é fazer-se apenas filmes inovadores, instigantes, mas
saber fazer aquilo a que se propõe. E a comparação deste
Herencia com O Filho da Noiva talvez seja
a mais simples maneira de ver como este filme de Hernández
é equivocado (e as semelhanças justificam-na, pois até
um dos subplots é parecido – sobre a venda de
um restaurante). Porque, para começar, é extremamente
mal filmado: cheio de cortes de cena com timing
completamente errado, enquadramentos incompreensíveis
(mesmo na sua enorme simplicidade), péssima direção
de atores. Mas, para além disso, a comédia não tem graça
e o drama não emociona - ao contrário do seu antecessor,
que era bem sucedido em ambas as instâncias. Tudo fica
apenas no banal, no clichê do clichê (a senhora mais
velha reencontrará a alegria perdida enquanto o jovem
alemão se sentirá querido e em casa na Argentina), sem
que haja qualquer coisa em cena para além disso. Pode
vir a encontrar êxito com o público? Talvez, mas aquele
êxito preguiçoso de quem se satisfaz com muito, muito
pouco.
O filme ganhou o prêmio de roteiro de Opera Prima, um
concurso argentino para que estreantes façam os seus
primeiros filmes. Até dá para entender: o roteiro, embora
óbvio, podia funcionar no papel, se bem escrito (afinal
o que há de roteiros simplesmente inexistentes concorrendo
nestes concursos...). O que falta a Hernández
ainda (temos que dar o desconto, afinal trata-se de
uma estreante) é a cancha de conseguir transformar o
que está no papel em imagem (e som – uma das piores
coisas do filme, disparado, é sua trilha sonora inacreditavelmente
equivocada em relação ao tom do filme, em todas as suas
intervenções). Certamente não será a partir de Herencia
que conseguiremos saber se ela tem potencial para tanto.
Eduardo Valente
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