FÁBIO FABULOSO
Pedro Cezar, Antônio Ricardo e Ricardo Bocão, Brasil, 2004

Poucas coisas são mais cinematográficas do que uma onda sendo surfada: ali há uma confluência tal de beleza imagética, potência sonora e drama em desenvolvimento no confronto do homem com a natureza quanto se poderá ver nas mais complexas tramas urdidas pela ficção do cinema. Não por acaso, volta e meia o surfe é tema de um novo filme (o último nacional foi o documentário Surf Adventures, e o último lançamento no circuito foi bem recente, com Billabong Odissey), e também não por acaso todos eles têm, no mínimo, o atrativo de seu potencial cinético enorme.

Interessantemente, o maior atrativo de Fábio Fabuloso não são as ondas. Claro, elas estão lá durante boa parte do filme, mas até pela própria definição do filme (em sua maioria feito de imagens de TV), elas não chamam a atenção pela beleza estética tanto quanto em vários outros filmes. A opção (um tanto corajosa, diga-se) aqui foi em centrar-se na figura de Fábio Gouveia, que o filme coloca como, possivelmente, o mais importante surfista brasileiro de todos os tempos. Parte-se então de uma característica essencial dele (sua origem paraibana), e monta-se uma estrutura biográfica um tanto livre, onde a "nordestinidade" é assumida o tempo todo como ponto de referência principal, seja na afirmação constante (falada e escrita na tela) de um peculiar "falar nordestino", seja na estrutura que brinca seguidamente com a literatura de cordel e com a música regional. É nesta opção que Fábio Fabuloso descobre, de fato, seu grande trunfo - e aquilo que o destaca, por exemplo, da frieza burocrática de um Pelé Eterno, onde nem a majestosidade das cenas de arquivo conseguia tirar o filme de um tédio absoluto e redutor.

É bem verdade que a informalidade narrativa do filme às vezes ameaça beirar a infantilização (como no obsessivo retorno à figura do tal "burrinho sabido e curioso"), assim como alguns dos depoimentos podiam facilmente ter sido podados ou melhor arrumados. Mas, são questões menores perto da incrível alegria de viver que o filme passa - e que sempre foi o forte e maior atrativo do surfing way of life. Isso sem contar que, quando toda a parte referente ao surfe já havia sido contada (e o filme consegue passar claramente a importância e o respeito internacional por Fábio Gouveia - e até mesmo fazer o mais leigo espectador entender um pouco sobre ser diferencial técnico), a entrada da esfera familiar em jogo acontece de forma muito bem resolvida e com inegável aumento do potencial emotivo das imagens. A julgar pelo filme, é neste excesso de alegria (e muito pouca "marra") que o filme de Cezar, Bocão e Ricardo mais consegue ser um legítimo representante audiovisual do surfista que deseja apresentar. E mostra que, com um pouco de vontade, dá para tirar qualquer gênero (mesmo o documentário biográfico) da mesmice dominante pelo excesso de trabalhos.

Eduardo Valente