Poucas coisas são mais
cinematográficas do que uma onda sendo surfada:
ali há uma confluência tal de beleza imagética,
potência sonora e drama em desenvolvimento no
confronto do homem com a natureza quanto se poderá
ver nas mais complexas tramas urdidas pela ficção
do cinema. Não por acaso, volta e meia o surfe
é tema de um novo filme (o último nacional
foi o documentário Surf Adventures, e
o último lançamento no circuito foi bem
recente, com Billabong Odissey), e também
não por acaso todos eles têm, no mínimo,
o atrativo de seu potencial cinético enorme.
Interessantemente, o maior atrativo de Fábio
Fabuloso não são as ondas. Claro,
elas estão lá durante boa parte do filme,
mas até pela própria definição
do filme (em sua maioria feito de imagens de TV), elas
não chamam a atenção pela beleza
estética tanto quanto em vários outros
filmes. A opção (um tanto corajosa, diga-se)
aqui foi em centrar-se na figura de Fábio Gouveia,
que o filme coloca como, possivelmente, o mais importante
surfista brasileiro de todos os tempos. Parte-se então
de uma característica essencial dele (sua origem
paraibana), e monta-se uma estrutura biográfica
um tanto livre, onde a "nordestinidade" é
assumida o tempo todo como ponto de referência
principal, seja na afirmação constante
(falada e escrita na tela) de um peculiar "falar
nordestino", seja na estrutura que brinca seguidamente
com a literatura de cordel e com a música regional.
É nesta opção que Fábio
Fabuloso descobre, de fato, seu grande trunfo -
e aquilo que o destaca, por exemplo, da frieza burocrática
de um Pelé Eterno, onde nem a majestosidade
das cenas de arquivo conseguia tirar o filme de um tédio
absoluto e redutor.
É bem verdade que a informalidade narrativa do
filme às vezes ameaça beirar a infantilização
(como no obsessivo retorno à figura do tal "burrinho
sabido e curioso"), assim como alguns dos depoimentos
podiam facilmente ter sido podados ou melhor arrumados.
Mas, são questões menores perto da incrível
alegria de viver que o filme passa - e que sempre foi
o forte e maior atrativo do surfing way of life.
Isso sem contar que, quando toda a parte referente ao
surfe já havia sido contada (e o filme consegue
passar claramente a importância e o respeito internacional
por Fábio Gouveia - e até mesmo fazer
o mais leigo espectador entender um pouco sobre ser
diferencial técnico), a entrada da esfera familiar
em jogo acontece de forma muito bem resolvida e com
inegável aumento do potencial emotivo das imagens.
A julgar pelo filme, é neste excesso de alegria
(e muito pouca "marra") que o filme de Cezar,
Bocão e Ricardo mais consegue ser um legítimo
representante audiovisual do surfista que deseja apresentar.
E mostra que, com um pouco de vontade, dá para
tirar qualquer gênero (mesmo o documentário
biográfico) da mesmice dominante pelo excesso
de trabalhos.
Eduardo Valente
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