Renny Harlin foi indicado três
vezes ao Framboesa de Ouro de pior direção (prêmio
satírico, contraponto ao Oscar, entregue aos
dejetos de Hollywood): por As Aventuras de Ford Fairlane
(1990), por A Ilha da Garganta Cortada (1995)
e por Alta Velocidade (2001). Com O Exorcista:
O Início – péssimo prequel ao em si contestável
clássico de William Friedkin – é provável que finalmente
vença, uma vez que o diretor fracassa na tentativa de
adequar aos moldes do cinemão de aventura contemporâneo
(baseado na ação e nas reviravoltas incessantes, assim
como na exuberância visual, à la O Senhor dos Anéis)
a saga, por sua vez copiada de Sinais, do padre
Merrin em busca de sua fé.
1949. Lankester Merrin (Stellan Skarsgard), ex-padre,
traumatizado com as experiências vividas durante a Segunda
Guerra Mundial, e agora arqueólogo de aluguel, é contratado
para encontrar relíquia em escavação britânica na região
de Turkana, Quênia. Para surpresa do próprio Vaticano,
que envia padre Francis (James D’Arcy) ao local, trata-se
da inexplicável descoberta de igreja bizantina, intacta,
datada do século V - antes do cristianismo chegar ao
leste da África. Enquanto Merrin envolve-se amorosamente
com a médica Sarah (Izabella Scorupco), estranhos acontecimentos
afetam a tribo nativa, que se volta contra os ingleses
pois acredita que o lugar está amaldiçoado pela presença
do homem branco. De fato, diz-se que a tal igreja sela
o ponto preciso onde Lúcifer caiu na Terra, ao ser expulso
do Paraíso.
O Exorcista, escrito por William Peter Blatty
e dirigido por William Friedkin em 1973, constitui produto
híbrido, pois, se encampa o “autorismo” que tomou de
assalto a indústria cinematográfica americana à época
– através de cineastas como Francis Ford Coppola, Martin
Scorsese, Bob Rafelson, Peter Bogdanovich, Terrence
Malick, Michael Cimino – para aplicá-lo na desmistificação
da religião e da fé, também inaugura o terror fácil,
que se centra nos sustos apelativos e gratuitos ocasionados
não pela tessitura dramática, narrativa ou visual, mas
antes pela estética da “nojeira”, que privilegia vômitos,
escarros e maquiagens disformes. Dessa forma, na mesma
obra, convivem tanto as dúvidas existenciais do padre
Damien Karras (Jason Miller) em relação ao catolicismo,
que se resolvem tragicamente, quanto o sucesso estrondoso
de público que aponta para a nascente era dos blockbusters,
filmes caríssimos de circulação rápida e retorno garantido
– Tubarão, de Steven Spielberg, primeira superprodução
a ultrapassar a bilheteria de 100 milhões de dólares,
seria realizado apenas dois anos depois de O Exorcista.
O Exorcista: O Início reflete igualmente seu
tempo, visto que se insere na lógica de mercado segundo
a qual a qualidade do filme se mede pela bilheteria
do fim de semana de estréia. Assim, Renny Harlin usa
e abusa da fórmula consagrada em O Senhor dos Anéis
e em Harry Potter – tramas rocambolescas com
pontos de virada e clímaxes a cada nova seqüência -,
aliada à imagem rebuscada que apela para a grandiosidade
e para o exagero (a fotografia de Vittorio Storaro,
cuja “beleza” kitsch e afetada se vale inclusive de
pôr-do-sol digital com revoada de pássaros, combina-se
à perfeição com o vazio conceitual do filme). Termina
diluindo, por conseguinte, tanto o conflito de Merrin
com a fé, perdido em cenas que unem trauma psicológico
com a imagética padrão (pós-A Lista de Schindler)
do Holocausto, quanto o teor político da luta dos turkana
contra os britânicos durante o processo da descolonização
africana (a associação entre a origem do Mal e a presença
do colonizador, somente insinuada e jamais concretizada).
Se M. Night Shyamalan ou mesmo Quentin Tarantino, respectivamente
em Sinais e em Kill Bill, brincam com
os gêneros e os clichês do cinema e os subvertem – sem,
no entanto, deixarem de lado a paixão pelas estruturas
que citam e que homenageiam –, Renny Harlin, ao contrário,
leva-os a sério, de maneira que O Exorcista: O Início
não pode nem sequer, e infelizmente, ser visto como
mera comédia involuntária.
Paulo Ricardo de Almeida
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