O EXORCISTA - O INÍCIO
Renny Harlin, The Exorcist - the beginning, EUA, 2004

Renny Harlin foi indicado três vezes ao Framboesa de Ouro de pior direção (prêmio satírico, contraponto ao Oscar, entregue aos dejetos de Hollywood): por As Aventuras de Ford Fairlane (1990), por A Ilha da Garganta Cortada (1995) e por Alta Velocidade (2001). Com O Exorcista: O Início – péssimo prequel ao em si contestável clássico de William Friedkin – é provável que finalmente vença, uma vez que o diretor fracassa na tentativa de adequar aos moldes do cinemão de aventura contemporâneo (baseado na ação e nas reviravoltas incessantes, assim como na exuberância visual, à la O Senhor dos Anéis) a saga, por sua vez copiada de Sinais, do padre Merrin em busca de sua fé.

1949. Lankester Merrin (Stellan Skarsgard), ex-padre, traumatizado com as experiências vividas durante a Segunda Guerra Mundial, e agora arqueólogo de aluguel, é contratado para encontrar relíquia em escavação britânica na região de Turkana, Quênia. Para surpresa do próprio Vaticano, que envia padre Francis (James D’Arcy) ao local, trata-se da inexplicável descoberta de igreja bizantina, intacta, datada do século V - antes do cristianismo chegar ao leste da África. Enquanto Merrin envolve-se amorosamente com a médica Sarah (Izabella Scorupco), estranhos acontecimentos afetam a tribo nativa, que se volta contra os ingleses pois acredita que o lugar está amaldiçoado pela presença do homem branco. De fato, diz-se que a tal igreja sela o ponto preciso onde Lúcifer caiu na Terra, ao ser expulso do Paraíso.

O Exorcista, escrito por William Peter Blatty e dirigido por William Friedkin em 1973, constitui produto híbrido, pois, se encampa o “autorismo” que tomou de assalto a indústria cinematográfica americana à época – através de cineastas como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Bob Rafelson, Peter Bogdanovich, Terrence Malick, Michael Cimino – para aplicá-lo na desmistificação da religião e da fé, também inaugura o terror fácil, que se centra nos sustos apelativos e gratuitos ocasionados não pela tessitura dramática, narrativa ou visual, mas antes pela estética da “nojeira”, que privilegia vômitos, escarros e maquiagens disformes. Dessa forma, na mesma obra, convivem tanto as dúvidas existenciais do padre Damien Karras (Jason Miller) em relação ao catolicismo, que se resolvem tragicamente, quanto o sucesso estrondoso de público que aponta para a nascente era dos blockbusters, filmes caríssimos de circulação rápida e retorno garantido – Tubarão, de Steven Spielberg, primeira superprodução a ultrapassar a bilheteria de 100 milhões de dólares, seria realizado apenas dois anos depois de O Exorcista.

O Exorcista: O Início reflete igualmente seu tempo, visto que se insere na lógica de mercado segundo a qual a qualidade do filme se mede pela bilheteria do fim de semana de estréia. Assim, Renny Harlin usa e abusa da fórmula consagrada em O Senhor dos Anéis e em Harry Potter – tramas rocambolescas com pontos de virada e clímaxes a cada nova seqüência -, aliada à imagem rebuscada que apela para a grandiosidade e para o exagero (a fotografia de Vittorio Storaro, cuja “beleza” kitsch e afetada se vale inclusive de pôr-do-sol digital com revoada de pássaros, combina-se à perfeição com o vazio conceitual do filme). Termina diluindo, por conseguinte, tanto o conflito de Merrin com a fé, perdido em cenas que unem trauma psicológico com a imagética padrão (pós-A Lista de Schindler) do Holocausto, quanto o teor político da luta dos turkana contra os britânicos durante o processo da descolonização africana (a associação entre a origem do Mal e a presença do colonizador, somente insinuada e jamais concretizada).

Se M. Night Shyamalan ou mesmo Quentin Tarantino, respectivamente em Sinais e em Kill Bill, brincam com os gêneros e os clichês do cinema e os subvertem – sem, no entanto, deixarem de lado a paixão pelas estruturas que citam e que homenageiam –, Renny Harlin, ao contrário, leva-os a sério, de maneira que O Exorcista: O Início não pode nem sequer, e infelizmente, ser visto como mera comédia involuntária.

Paulo Ricardo de Almeida