EVERGREEN
Enid Zentelis, Evergreen, EUA, 2004

Evergreen, segundo as palavras da sua diretora ao apresentar o filme na Mostra, quer "mostrar a América pobre, aquela América que não é a de George Bush". Seja como for, esta América "invisível" se parece muito, pelo menos cinematográfica ou dramaturgicamente, com todas aquelas Américas que a gente já conhecia muito bem. Só que filmada (e distribuída) em digital.

Na verdade, talvez a melhor referência para se pensar em Evergreen nem esteja no cinema americano: ao montar seu painel de relações de classe nos EUA de hoje, Zentelis se aproxima mais é do cinema de Mike Leigh, em especial dos primeiros filmes (anos 70-80). Só que de Leigh puxou tudo de pior (o retrato maniqueísta das classes, os tiques de atuação, o apreço pelos momentos catárticos quase insuportavelmente manipuladores), e deixou de fora o que ele tem de melhor - seja o carinho pelos personagens seja a capacidade como encenador de criar uma verdade quase extra-fílmica, que emana dos melhores trabalhos dele (Segredos e Mentiras e Life is Sweet, por exemplo). Até mesmo sua protagonista lembra muito Brenda Blethyn fisicamente em vários momentos. Zentelis é Mike Leigh filtrada pelas regras do atual cinema Sundance-independente norte-americano, se podemos imaginar isso.

E é assim que um filme que começa causando uma interessante confusão quanto a seu registro (um naturalismo exacerbado? uma opção pela não-ação?) logo vai abraçando os caminhos mais fáceis da narrativa, com o estabelecimento de uma relação juvenil à la Romeu e Julieta, seguida de um retrato banal da vida dos ricos como uma de tédio e fingimento (o casal de pais do menino que se interessa pela adolescente pobre, por exemplo, senta longe um do outro num grande sofá, apenas para a diretora poder enquadrá-los separadamente, destacando assim sua "separação num mesmo espaço" - uau), seguida de uma rápida (e rasteira) patologização das relações na família mais pobre. Tudo para justificar a catarse final (que realmente lembra muito cenas vistas nos filmes de Leigh com estrutura dramática semelhante a este, como High Hopes ou Grown-ups), onde a moral da história (porque aqui, como em Leigh, a relação entre classes trata-se sempre de uma questão moral) para nossa confusa jovem heroína é que "os ricos também sofrem, por isso melhor ser pobre, mas limpinho, do que rico e paranóico". O mundo realmente não podia viver mais um dia sem esta sacada genial, não?

Eduardo Valente