Evergreen, segundo as
palavras da sua diretora ao apresentar o filme na Mostra,
quer "mostrar a América pobre, aquela América
que não é a de George Bush". Seja
como for, esta América "invisível"
se parece muito, pelo menos cinematográfica ou
dramaturgicamente, com todas aquelas Américas
que a gente já conhecia muito bem. Só
que filmada (e distribuída) em digital.
Na verdade, talvez a melhor referência para se
pensar em Evergreen nem esteja no cinema americano:
ao montar seu painel de relações de classe
nos EUA de hoje, Zentelis se aproxima mais é
do cinema de Mike Leigh, em especial dos primeiros filmes
(anos 70-80). Só que de Leigh puxou tudo de pior
(o retrato maniqueísta das classes, os tiques
de atuação, o apreço pelos momentos
catárticos quase insuportavelmente manipuladores),
e deixou de fora o que ele tem de melhor - seja o carinho
pelos personagens seja a capacidade como encenador de
criar uma verdade quase extra-fílmica, que emana
dos melhores trabalhos dele (Segredos e Mentiras
e Life is Sweet, por exemplo). Até mesmo
sua protagonista lembra muito Brenda Blethyn fisicamente
em vários momentos. Zentelis é Mike Leigh
filtrada pelas regras do atual cinema Sundance-independente
norte-americano, se podemos imaginar isso.
E é assim que um filme que começa causando
uma interessante confusão quanto a seu registro
(um naturalismo exacerbado? uma opção
pela não-ação?) logo vai abraçando
os caminhos mais fáceis da narrativa, com o estabelecimento
de uma relação juvenil à la Romeu
e Julieta, seguida de um retrato banal da vida dos ricos
como uma de tédio e fingimento (o casal de pais
do menino que se interessa pela adolescente pobre, por
exemplo, senta longe um do outro num grande sofá,
apenas para a diretora poder enquadrá-los separadamente,
destacando assim sua "separação num
mesmo espaço" - uau), seguida de uma rápida
(e rasteira) patologização das relações
na família mais pobre. Tudo para justificar a
catarse final (que realmente lembra muito cenas vistas
nos filmes de Leigh com estrutura dramática semelhante
a este, como High Hopes ou Grown-ups),
onde a moral da história (porque aqui, como em
Leigh, a relação entre classes trata-se
sempre de uma questão moral) para nossa confusa
jovem heroína é que "os ricos também
sofrem, por isso melhor ser pobre, mas limpinho, do
que rico e paranóico". O mundo realmente
não podia viver mais um dia sem esta sacada genial,
não?
Eduardo Valente
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