Câmera digital, câmera
na mão. A imagem não desenha planos, segue
os atores, em closes tão próximos quanto
possível. Dois casais de meia idade, com relacionamentos
já desgastados. A câmera filma a vida cotidiana
do casal: o marido corta as unhas, o radialista anuncia
uma música de Britney Spears, uma briga conjugal
ocorre enquanto na cabeça quase careca do homem
paira uma pequena nuvem de espuma (anteriormente ele
havia sido flagrado com a melhor amiga numa banheira).
Definitivamente o Dogma 95 foi um movimento que rendeu
unicamente frutos podres. Se houve uma escolha entre
Os Idiotas e Festa de Família pelos
realizadores que se apaixonaram pelo manifesto, foi
sem dúvida pelo segundo: a volta da câmera
como o olhar por debaixo da fechadura e um interesse
indisfarçado pelos nacos mais patéticos
da existência humana, filmados sempre com uma
crueldade de quem se acha realmente esperto e malandrinho
para filmar e ao mesmo tempo estar tão indiferente
a tudo que se passa. Não que as mesquinharias
do homem não devam ser filmadas: há grandes
filmes sobre o assunto. Só que há uma
grande diferença entre filmar o tédio
e ser o tédio. Definitivamente, Entre
Casais pende para a segunda alternativa.
Ruy Gardnier
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