Embora consiga costurar alguma
beleza em seus primeiros 30 minutos, nas idas e vindas
do roteiro entre o passado e o futuro dos personagens,
A Dona da História logo se transforma em uma
ode a manutenção da vida “tal como ele é”. Em um jogo
de metalinguagem um tanto preguiçoso, onde a “divagação”
das possibilidades de vida ganha ares de “exemplificação”
das vidas possíveis, tudo se encaminha para um final
reducionista e desanimado onde os personagens mais se
rendem a suas histórias do que as celebram. Se
Rodrigo Santoro consegue se destacar como o bom ator
que é, e Marieta Severo consegue imprimir graça a alguns
dos poucos diálogos inspirados do filme, esses talentos
somados não conseguem fazer A Dona História escapar
do peso moralista que se esconde em suas entrelinhas.
O que impressiona mais não é estritamente
o "teor" do filme de forma isolada, mas justamente
como seu encadeamento é todo arquitetado de forma a
se chegar a um discurso onde o roteiro deixa de lado
a possibilidade de se encontrar graça na narração da
vida cotidiana para se entregar a um jogo de malabarismos
dos mais relaxados. A covardia das "sacadas
espertas" que servem de muleta para o roteiro
a partir do ponto em que as duas personagens se encontram
(deixando um gosto aguado de Lisbela no ar...),
é da mesma família da covardia final que margeia seus
personagens: fazer as coisas do jeito que dá certo,
do jeito que elas são mesmo, porque é uma tolice achar
que elas poderiam ser outra ou outras coisas (senão
na imaginação)... Olhar para as pequenas narrativas
não por sua beleza emergencial, mas pela impossibilidade
da utopia sonhada. “Fui eu que embolei o enredo...”
diz a Carolina cinqüentona, se rendendo à calma pachorrenta
do marido. Não mais do que isso.
Fagundes convence com sua apatia frugal, mas acaba por
construir um personagem mais arrogante do que compreensivo
– ou que faz da compreensão intangível a sua arrogância.
E Débora Falabella peca por não conseguir se desfazer
bem da água bebida em seu brilhante trabalho em Lisbela
e o Prisioneiro, repetindo tiques e chaves de interpretação
um tanto viciadas. Resta-nos a boa cena (a melhor do filme) em que o Luis Cláudio
de Rodrigo Santoro desafia a lógica das multi-narrativas,
indignado com a busca de uma alegria que desconsiderasse
o peso urgente do sentimento presente: “Quem é esse
tempo capaz de fazer outro de mim?”
Somado o caldo, A Dona da História se resume
como um filme de contra-afirmação da vida e da possibilidade
de sua reinvenção, onde os gestos de carinho entre os
dois personagens sempre rimam com alguma intenção de
se rebaixar, de fazer concessões um ao outro. Da mulher
que desiste de sua crise e quase pede desculpas por
seu desassossego, ao homem que, em seu único momento
de cuidado/carinho em todo o filme, desiste de seu sonho
de conhecer Cuba (o clichê das utopias...) para acatar
o desejo de sua mulher de conhecer a Europa (o clichê
da sofisticação bem comportada...).
Um filme que seduz de maneira habilidosa o espectador
para lhe armar uma armadilha: onde o desfecho quer dar
a resposta ideal para todos os problemas visitados pela
narrativa. Um filme cujo movimento estético aponta para
um ideal do con-formismo (ou seja, da aproximação da
forma de narrar a vida de um modelo de normatização
festiva dela) em torno de um quebra-cabeças que faz,
de si mesmo, um exercício de banalidades (ou da
poética metalinguística de um "pití").
E aí o filme perde o que poderia ser belo na crônica
de costumes para se transformar em uma ode aos costumes
crônicos... (traço, aliás, não incomum em boa parte
dos núcleos de classe-média das telenovelas ou mesmo
do discurso da “pessoa comum” atribuída à maioria dos
personagens de reality shows ou dos programas
da linhagem de Denise Fraga no Fantástico). Algo
que talvez hoje, no Brasil, somente A Grande Família
(com todas as suas limitações do gênero comédia suburbana)
venha conseguindo fazer com alguma sensibilidade.
Felipe Bragança
|