O que aconteceria se subitamente
um terço da população economicamente
ativa do estado da Califórnia (uma das principais
economias dos EUA) desaparecesse? O detalhe é
que essa misteriosa desaparição não
seria aleatória: os eleitos a sumirem do mapa
não seriam qualquer transeunte passando pela
rua e sim a totalidade dos componentes de um especifico
grupo étnico, no caso, os latino-americanos.
Justamente os que lavam os pratos, os que limpam as
privadas, os que varrem as ruas. A pergunta, então,
seria porque o filme não se chama "Um dia sem
latinos"? A questão logo respondida, nos indica
que para os americanos todos os que chegaram em seu
país pelo outro lado da fronteira são
mexicanos. Um continente inteiro é resumido a
um país e a um idioma - onde nós, brasileiros,
ficaríamos nessa delimitação do
mundo é o que instiga. É sabido o expressivo
número de brasileiros que pisam em solo americano
de forma clandestina diariamente e também a grande
quantidade de brasileiros que habitam a Califórnia.
Mesmo assim nós não somos ao menos citados
- será porque falamos português? Excluindo
essa simplificação efetivada pelos americanos
e adotada pelo filme (todos os personagens latinos são
mexicanos), há de sobra superficialidades ainda
mais graves.
Ressalta-se a importância dos cidadãos
de origem latina dentro não só da economia
americana, mas também da cultura (vários
artistas latinos são mostrados), porém
a forma como eles são pintados é no mínimo
complicada. Tomemos como exemplo alguns dos primeiros
que aparecem na obra: a dupla de pintores e a empregada
doméstica. Eles são a própria encarnação
da passividade. Pensando unicamente na sobrevivência
do dia a dia, esses trabalhadores são desprovidos
de consciência de grupo e de qualquer atitude
capaz de alterar a ordem estabelecida. Esse retrato
poderia ser encarado como uma crítica a postura
dos latinos que vão tentar a sorte na "América"
e não uma conclusão definitiva e redutora
de seus padrões comportamentais. Mas não
há nenhum personagem que faça oposição
a essa conduta e não há no decorrer do
filme nenhuma transformação pessoal acionada
por esses trabalhadores subalternos - após aparecerem
do "seqüestro" todos retornam obedientes
aos seus antigos postos.
A única a realmente se transformar com a experiência
e traçar indícios que suas ações
daqui para frente serão diferentes é a
jornalista. Ela, que antes negava sua origem e se envergonhava
dos pais, agora esbraveja com orgulho sua latinidade
mesmo quando lhe é revelado que seus verdadeiros
pais são armênios e que ela de fato nasceu
nesse país. A clara mensagem repetida é
que não importa aonde a gente nasce e sim aonde
a gente cresce e se torna cidadão. Traduzindo:
não importa que os mexicanos tenham nascido no
México e sim que agora eles moram nos EUA e são
importantes para nos servir. Afinal, quem seriam as
babás de nossas filhas e quem aceitaria cortar
a minha grama ganhando uma ninharia? Um dia sem mexicanos
não ousa nem em delírio criticar o mecanismo
que gerou a situação abordada. O que importa
é que a realidade é assim: os americanos
são ricos, os mexicanos são pobres e ambos
precisam um do outro para viver. Embora alegando que
essa relação não é recíproca
porque os americanos precisam muito mais dos mexicanos
que vice-versa, a utilização da energia
dos latino-americanos sempre será a mesma. A
sociedade americana é estanque e nunca deixará
esses trabalhadores subirem de posto.
Diversas vezes aparecem inscritas na tela frases didáticas
que nos informam em cima de dadas situações
encenadas pelos atores algo do comportamento xenófobo
americano e da história da relação
entre os dois países. Por exemplo, somos informados
da quantidade de estados que os EUA roubaram do México,
do número de trabalhadores mexicanos envolvidos
na agricultura e que grande parte das professoras de
jardim da infância são mexicanas. Esse
recurso deixa evidente que o desejo do realizador não
é apenas entreter com um pequeno espaço
para a reflexão e sim ensinar e educar específicos
destinatários. Os dados estatísticos selecionados
pelo diretor deixaram de fora muitos outros. Como a
porcentagem de latinos envolvidos na criminalidade e
em condições de miséria. Claro
que informações como essas pediam a sua
omissão, afinal, para abordar esse outro lado
seria preciso ir mais fundo na exposição
da engrenagem dominante ressaltando a sua origem. E
isso para os realizadores de Um dia sem mexicanos
é o que menos interessa.
Estevão Garcia
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