UM DIA QUENTE DE INVERNO
Stéphane Vuillet, 25 degrés en hiver, Bélgica/França, 2004

Os primeiros planos desta estréia em longas de Vuillet apresentam uma cena bastante recorrente no cinema (especialmente o europeu) recente: o drama dos imigrantes (neste caso, ucranianos) prestes a serem expulsos de um país de “Primeiro Mundo”. A julgar pela hiper-granulação destes primeiros momentos, e pela câmera nervosa e cheias de cortas rápidos, nos preparamos para um filme de “realismo político”. Ledo e feliz engano, porque logo depois dos créditos que se seguem a esta primeira sequência, o filme revela sua verdadeira vocação: a da criação de uma muito calorosa comédia de erros a partir de uma ótima combinação de personagens e escalação de elenco (onde até Carmem Maura surge num papel de, vejam só, “vovó”!). Comédia esta onde o principal destaque é justamente a sensação de “caldeirão” de origens de migrantes que pequenos países europeus, como a Bélgica onde o filme se passa, parecem viver – e que neste sentido tem sim uma série de “assuntos sérios” perpassando a história, mas com o bom senso de sempre deixarem os personagens e suas peripécias em primeiro plano.

Seria fácil ver o filme como um esvaziamento de determinadas questões políticas, pelo viés do humor ou de um otimismo inabalável nas relações humanas (apenas escancarado por um final dos mais improvavelmente felizes em muito tempo), mas isso seria tentar julgar o filme por aquilo que ele nunca tenta ser. Vuillet demonstra o tempo todo que o que interessa para ele é trabalhar com os atores, com as alternâncias de climas e de “timings”, e acima de tudo, com a urdidura de um roteiro ágil dentro de todo um padrão da noção da comédia de erros – e nisso tudo, sai-se muito bem, especialmente se considerado como estreante numa indústria de cinema com nem tanta tradição de trabalho assim (a belga).

Trata-se, também, de um filme sobre mulheres, ou melhor, sobre a total perda da “ordem” da vida de um homem a partir das mulheres. O protagonista Miguel (Jacques Gamblin) vive suas desventuras em meio a hormônios femininos dos mais variados tipos, indo da mãe hiper-protetora e presente até a filha pequena de quem ele tem que cuidar, e passando pela “presença ausente” da esposa em viagem (boa sacada do filme nunca dar mais espaço do que o da voz para esta personagem, que no entanto não deixa de ser central na narrativa por isso) e da mulher que entra por acaso na sua vida e de fato desencadeia todo este drama. Pode-se dizer mesmo que, se há algum retrato social sendo montado, é menos sobre a questão da imigração e muito mais sobre as relações de gênero, onde as mulheres surgem como força-motriz que colocam em andamento todas as histórias do mundo. Com todos estes temas em jogo, Vuillet realiza um mais do que simpático primeiro filme, cujo interesse pelos personagens nunca se deixa superar por um certo esquematismo (especialmente na solução final) que ameaça o filme a todo momento.

Eduardo Valente