Os primeiros planos desta estréia
em longas de Vuillet apresentam uma cena bastante recorrente
no cinema (especialmente o europeu) recente: o drama
dos imigrantes (neste caso, ucranianos) prestes a serem
expulsos de um país de “Primeiro Mundo”. A julgar pela
hiper-granulação destes primeiros momentos, e pela câmera
nervosa e cheias de cortas rápidos, nos preparamos para
um filme de “realismo político”. Ledo e feliz engano,
porque logo depois dos créditos que se seguem a esta
primeira sequência, o filme revela sua verdadeira vocação:
a da criação de uma muito calorosa comédia de erros
a partir de uma ótima combinação de personagens e escalação
de elenco (onde até Carmem Maura surge num papel de,
vejam só, “vovó”!). Comédia esta onde o principal destaque
é justamente a sensação de “caldeirão” de origens de
migrantes que pequenos países europeus, como a Bélgica
onde o filme se passa, parecem viver – e que neste sentido
tem sim uma série de “assuntos sérios” perpassando a
história, mas com o bom senso de sempre deixarem os
personagens e suas peripécias em primeiro plano.
Seria fácil ver o filme como um esvaziamento de determinadas
questões políticas, pelo viés do humor ou de um otimismo
inabalável nas relações humanas (apenas escancarado
por um final dos mais improvavelmente felizes em muito
tempo), mas isso seria tentar julgar o filme por aquilo
que ele nunca tenta ser. Vuillet demonstra o tempo todo
que o que interessa para ele é trabalhar com os atores,
com as alternâncias de climas e de “timings”, e acima
de tudo, com a urdidura de um roteiro ágil dentro de
todo um padrão da noção da comédia de erros – e nisso
tudo, sai-se muito bem, especialmente se considerado
como estreante numa indústria de cinema com nem tanta
tradição de trabalho assim (a belga).
Trata-se, também, de um filme sobre mulheres, ou melhor,
sobre a total perda da “ordem” da vida de um homem a
partir das mulheres. O protagonista Miguel (Jacques
Gamblin) vive suas desventuras em meio a hormônios femininos
dos mais variados tipos, indo da mãe hiper-protetora
e presente até a filha pequena de quem ele tem que cuidar,
e passando pela “presença ausente” da esposa em viagem
(boa sacada do filme nunca dar mais espaço do que o
da voz para esta personagem, que no entanto não deixa
de ser central na narrativa por isso) e da mulher que
entra por acaso na sua vida e de fato desencadeia todo
este drama. Pode-se dizer mesmo que, se há algum retrato
social sendo montado, é menos sobre a questão da imigração
e muito mais sobre as relações de gênero, onde as mulheres
surgem como força-motriz que colocam em andamento todas
as histórias do mundo. Com todos estes temas em jogo,
Vuillet realiza um mais do que simpático primeiro filme,
cujo interesse pelos personagens nunca se deixa superar
por um certo esquematismo (especialmente na solução
final) que ameaça o filme a todo momento.
Eduardo Valente
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