O que mais dizer sobre um filme
que termina com o suicídio do personagem interpretado
por seu próprio diretor? Pois todo o entendimento deste
Coisas pode ser encontrado entre esta cena, no seu final, e uma das primeiras
- quando no caminho para um funeral os personagens perambulam
de carro por Tel Aviv e o enquadramento iguala os prédios
às lápides do cemitério. Digamos que não é difícil afirmar
que Coisas é um filme profundamente desencantado com
o mundo à sua volta. O filme poderia se chamar, de fato,
Cronicamente Inviável – ainda que trate, muito mais do que no filme
de Sérgio Bianchi, de um retrato de microrelações, ao
invés de uma busca de uma certa identidade nacional.
No entanto, no caso de Israel devemos perguntar se isso
é realmente possível. Afinal, trata-se de um país criado
sob os efeitos de um fato como o Holocausto, em constante
estado de guerra desde a sua fundação, e onde todos
os jovens devem, obrigatoriamente, servir ao exército.
Portanto, a obsessiva relação do filme com a morte não
parece passível de ser lida tão separada de um certo
estado de espírito nacional – e, de fato, tanto o Holocausto
como a questão do alistamento obrigatório surgem nos
diálogos em diferentes momentos do filme. Por isso,
embora Gitai force a barra (e nisso lembra em partes
seu recente filme, Alila) para se distanciar de questões macropolíticas
ou históricas, sem dúvida elas assombram o filme o tempo
inteiro.
Assombrar,
aliás, parece termo bastante adequado para se falar
deste filme, porque todos os seus personagens perambulam
pela tela com uma presença muito parecida com a dos
morto-vivos. Todos os seus atos e palavras parecem profundamente
desprovidos de vontade; de tesão, por assim dizer. Tesão
pela vida, mas que se reflete também em tesão sexual:
o sexo em Coisas (como em boa parte do cinema de Gitai) é sempre
culpado, problemático, cheio de conseqüências (ou traições,
ou engravidamentos) - isso quando não francamente “marginal”,
como no caso da cena nos subterrâneos de um bar. Não
é uma opção no filme de Gitai um ato de paixão pura,
ou de abraço à vida – isso é completamente proibido aos personagens. O filme começa com uma morte e um enterro,
e termina com um suicídio.
Mas, afinal,
o filme interessa? Nos poucos momentos em que o cineasta
e a câmera parecem partilhar da angústia dos personagens,
sim, porque ele ganha em pungência, em cinema à flor
da pele. Infelizmente, na imensa maioria do filme, a
postura que o filme reproduz de seus personagens é outra:
a do tédio, a do conformismo com o estado terminal do
mundo e das relações humanas que o filme propõe. É uma
pena, porque Gitai não faz um filme vivo sobre os morto-vivos,
e sim um autêntico zumbi cinematográfico – que até pode
assombrar a gente por alguns minutos, mas de resto parece
apenas um melancólico espectro carregando o peso de
uma corrente nos pés, para lá e para cá.
Eduardo Valente
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