COISAS
Amos Gitai, Devarim, Israel, 1993

O que mais dizer sobre um filme que termina com o suicídio do personagem interpretado por seu próprio diretor? Pois todo o entendimento deste Coisas pode ser encontrado entre esta cena, no seu final, e uma das primeiras - quando no caminho para um funeral os personagens perambulam de carro por Tel Aviv e o enquadramento iguala os prédios às lápides do cemitério. Digamos que não é difícil afirmar que Coisas é um filme profundamente desencantado com o mundo à sua volta. O filme poderia se chamar, de fato, Cronicamente Inviável – ainda que trate, muito mais do que no filme de Sérgio Bianchi, de um retrato de microrelações, ao invés de uma busca de uma certa identidade nacional.

No entanto, no caso de Israel devemos perguntar se isso é realmente possível. Afinal, trata-se de um país criado sob os efeitos de um fato como o Holocausto, em constante estado de guerra desde a sua fundação, e onde todos os jovens devem, obrigatoriamente, servir ao exército. Portanto, a obsessiva relação do filme com a morte não parece passível de ser lida tão separada de um certo estado de espírito nacional – e, de fato, tanto o Holocausto como a questão do alistamento obrigatório surgem nos diálogos em diferentes momentos do filme. Por isso, embora Gitai force a barra (e nisso lembra em partes seu recente filme,
Alila) para se distanciar de questões macropolíticas ou históricas, sem dúvida elas assombram o filme o tempo inteiro.

Assombrar, aliás, parece termo bastante adequado para se falar deste filme, porque todos os seus personagens perambulam pela tela com uma presença muito parecida com a dos morto-vivos. Todos os seus atos e palavras parecem profundamente desprovidos de vontade; de tesão, por assim dizer. Tesão pela vida, mas que se reflete também em tesão sexual: o sexo em Coisas (como em boa parte do cinema de Gitai) é sempre culpado, problemático, cheio de conseqüências (ou traições, ou engravidamentos) - isso quando não francamente “marginal”, como no caso da cena nos subterrâneos de um bar. Não é uma opção no filme de Gitai um ato de paixão pura, ou de abraço à vida – isso é completamente  proibido aos personagens. O filme começa com uma morte e um enterro, e termina com um suicídio.

Mas, afinal, o filme interessa? Nos poucos momentos em que o cineasta e a câmera parecem partilhar da angústia dos personagens, sim, porque ele ganha em pungência, em cinema à flor da pele. Infelizmente, na imensa maioria do filme, a postura que o filme reproduz de seus personagens é outra: a do tédio, a do conformismo com o estado terminal do mundo e das relações humanas que o filme propõe. É uma pena, porque Gitai não faz um filme vivo sobre os morto-vivos, e sim um autêntico zumbi cinematográfico – que até pode assombrar a gente por alguns minutos, mas de resto parece apenas um melancólico espectro carregando o peso de uma corrente nos pés, para lá e para cá.

Eduardo Valente