DE OUTROS MUNDOS
Berry Strutz, From other worlds, EUA, 2004

Nos primeiros momentos de De Outros Mundos se impõe a dúvida: que tipo de relação o filme pretende estabelecer com a história dos filmes de ficção científica baratos que, desde o design dos seus créditos passando pela trilha sonora, claramente deseja emular. Estaríamos assistindo uma retomada trash do gênero, parodicamente; uma homenagem? Logo, porém, o filme deixa bem claro que seu interesse pela matriz do cinema barato de ficção é tão somente uma referência cômica, que seu jogo mesmo é o da comédia de relações, onde o cinema de gênero entrará mais como uma piada, não só entre diretor e espectador, mas mesmo entre os personagens na tela.

Entendido assim, De Outros Mundos não deixa de ser uma das mais criativas aproximações com o cada vez mais batido tema da "esposa que se sente desprezada em casa no seu cotidiano marido e filhos". Que, ao invés da patologia dramática ou da comédia de costumes mais rasa, Strutz escolha o inesperado caminho da brincadeira de gêneros para tratar deste assuntos, é uma surpresa das mais agradáveis. E não serão poucos ao longo do filme os momentos efetivamente engraçados que ele consegue, indo dos mais clichês (como o grupo de "Observadores de OVNIs Anônimos") aos mais inesperados (onde o subplot que envolve um aparente agente secreto e uma bibliotecária rendem momentos especialmente gostosos). Strutz escreve bons diálogos, tanto na parte mais realista, como nas piadas completamente surtadas que apresenta (são inspiradas, por exemplo, as menções à Costa do Marfim, país de onde vem o imigrante que logo conseguirá a atenção da esposa desiludida). E, com isso, consegue manter a atenção mesmo nos eventuais pontos de ritmo um tanto irregular do filme. Seu carinho pelo que filma é evidente, e isso é sempre algo que consegue alguma adesão de quem assiste.

Se o final pode mais superficialmente ser lido como uma capitulação daquilo que o filme tinha de mais interessante (a alegria extra-conjugal que a personagem encontrava), um olhar atento perceberá que não se trata exatamente disso - como as lágrimas dela dirigindo para casa após o desfecho da trama de "ação", ou o plano final com a observação do céu indicam. A estranha aventura vivida (que tem momentos um tanto bizarros - e assumidamente assim, é importante frisar - de filme de ação e ficção trash autêntica), afinal, tinha função libertária em si mesma, e tolo (embora tentador) seria desejar um outro "final feliz" que negasse a autêntica filiação do filme - que, disfarçada por tanta loucura, é na verdade de uma um tanto quanto realista e "terrena" comédia de costumes. E aqui também, tão importante quanto "Wendy" conhecer "Peter Pan", é que ela volte da Terra do Nunca enquanto ele continua lá - pois assim são suas naturezas.

Eduardo Valente