Nos primeiros momentos de De
Outros Mundos se impõe a dúvida: que
tipo de relação o filme pretende estabelecer
com a história dos filmes de ficção
científica baratos que, desde o design dos seus
créditos passando pela trilha sonora, claramente
deseja emular. Estaríamos assistindo uma retomada
trash do gênero, parodicamente; uma homenagem?
Logo, porém, o filme deixa bem claro que seu
interesse pela matriz do cinema barato de ficção
é tão somente uma referência cômica,
que seu jogo mesmo é o da comédia de relações,
onde o cinema de gênero entrará mais como
uma piada, não só entre diretor e espectador,
mas mesmo entre os personagens na tela.
Entendido assim, De Outros Mundos não
deixa de ser uma das mais criativas aproximações
com o cada vez mais batido tema da "esposa que
se sente desprezada em casa no seu cotidiano marido
e filhos". Que, ao invés da patologia dramática
ou da comédia de costumes mais rasa, Strutz escolha
o inesperado caminho da brincadeira de gêneros
para tratar deste assuntos, é uma surpresa das
mais agradáveis. E não serão poucos
ao longo do filme os momentos efetivamente engraçados
que ele consegue, indo dos mais clichês (como
o grupo de "Observadores de OVNIs Anônimos")
aos mais inesperados (onde o subplot que envolve
um aparente agente secreto e uma bibliotecária
rendem momentos especialmente gostosos). Strutz escreve
bons diálogos, tanto na parte mais realista,
como nas piadas completamente surtadas que apresenta
(são inspiradas, por exemplo, as menções
à Costa do Marfim, país de onde vem o
imigrante que logo conseguirá a atenção
da esposa desiludida). E, com isso, consegue manter
a atenção mesmo nos eventuais pontos de
ritmo um tanto irregular do filme. Seu carinho pelo
que filma é evidente, e isso é sempre
algo que consegue alguma adesão de quem assiste.
Se o final pode mais superficialmente ser lido como
uma capitulação daquilo que o filme tinha
de mais interessante (a alegria extra-conjugal que a
personagem encontrava), um olhar atento perceberá
que não se trata exatamente disso - como as lágrimas
dela dirigindo para casa após o desfecho da trama
de "ação", ou o plano final
com a observação do céu indicam.
A estranha aventura vivida (que tem momentos um tanto
bizarros - e assumidamente assim, é importante
frisar - de filme de ação e ficção
trash autêntica), afinal, tinha função
libertária em si mesma, e tolo (embora tentador)
seria desejar um outro "final feliz" que negasse
a autêntica filiação do filme -
que, disfarçada por tanta loucura, é na
verdade de uma um tanto quanto realista e "terrena"
comédia de costumes. E aqui também, tão
importante quanto "Wendy" conhecer "Peter
Pan", é que ela volte da Terra do Nunca
enquanto ele continua lá - pois assim são
suas naturezas.
Eduardo Valente
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