Até a salada de batata...
Cinismo programático e coloquialismo histérico
foram as opções que o diretor Roberto
Moreira encontrou (?) para encenar essa pequena tragicrônica
da periferia paulistana. Todo o filme é um desfiar
de uma narrativa calcada em um mal-estar crônico
dos personagens (e um não-estar estético
dos enquadramentos), construindo algo que se perde entre
um drama familiar carregado e a tentativa de se fazer
um retrato direto da baixa classe média brasileira.
A primeira meio-hora do filme é uma seqüência
de clichês da urbanidade e do "relacionamento
familiar conturbado", fazendo com que todas as imagens
tragam em si uma rara carga de negatividade. A câmera,
que passeia pelos cenários, tenta se colar ao
real como coisa já dada e não em-construção
cênica, confundindo "verdade de cena" com um realismo
mais que artificial. Bons atores, até, navegam
nessa narrativa de erros e jogos de desconfiança,
esboçando um olhar dos mais pessimistas ante
a qualquer gesto de seus personagens (até as
cenas de sexo são filmadas com matizes neuróticas,
angustiadas, negativas).
Já os planos que sobrevoam São Paulo,
denotam o desejo do filme de derramar sobre a cabeça
de todos os paulistanos um certo espírito de
horror, supostamente compartilhado, quase como doença,
pela metrópole (vide o personagem do recepcionista
Lindovaldo que entra na história apenas para,
cinco minutos depois, ser massacrado por um grupo de
skinheads).
Desfeito o novelo e passado o vendaval de tragédias,
chegamos ao rocambolismo final do roteiro (flashbacks
desveladores) que só deixa mais claro o interesse
do filme em chocar, em desnortear através de
um acúmulo de equívocos, de mortes e de
agressões entre seus personagens. Um rodamoinho
monótono que não se resolve entre uma
pequena tragédia familiar (nunca um Céu
de Estrelas) ou uma levada pop sensacionalista de
um suposto caos social.
Uma toada involuntariamente desgovernada de imagens
em que um formalismo-do-informalismo subjuga os enquadramentos,
parecendo querer encontrar um discurso possível
da imagem total, do encontro de uma realidade não
apenas ali-inventada (e aí o filme dialoga diretamente
com os programas televisivos de reconstituição
de crimes do tipo Linha Direta ou com a atual
fase sensacionalista de Turma do Gueto).
Uma tela pintada em tom de sufocamento, onde sequer
a um plano é permitido um momento de vivacidade
ou de alegria. Culminando em um psicologismo social
que beira o terrorismo, ou em um mero fetiche pelo desmantelamento
da afetividade. Sublinhado por um trilha sonora que
aparece apenas para nos dizer, em cores berrantes: tudo
vai dar errado, nem adianta pensar diferente...
Até a salada de batata (!), em um plano em que
a personagem de Leona Cavalli coloca a mesa de jantar
na casa da família, é filmada com desdém,
com desprezo – num close marcado da massa de tubérculos
e maionese, que depois é servida pela filha da
família com raiva, jogando-a no prato como se
fosse algum tipo de lavagem.
Aí é demais.
Felipe Bragança
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