CONTRA TODOS
Roberto Moreira, Brasil, 2004

Até a salada de batata...

Cinismo programático e coloquialismo histérico foram as opções que o diretor Roberto Moreira encontrou (?) para encenar essa pequena tragicrônica da periferia paulistana. Todo o filme é um desfiar de uma narrativa calcada em um mal-estar crônico dos personagens (e um não-estar estético dos enquadramentos), construindo algo que se perde entre um drama familiar carregado e a tentativa de se fazer um retrato direto da baixa classe média brasileira.

A primeira meio-hora do filme é uma seqüência de clichês da urbanidade e do "relacionamento familiar conturbado", fazendo com que todas as imagens tragam em si uma rara carga de negatividade. A câmera, que passeia pelos cenários, tenta se colar ao real como coisa já dada e não em-construção cênica, confundindo "verdade de cena" com um realismo mais que artificial. Bons atores, até, navegam nessa narrativa de erros e jogos de desconfiança, esboçando um olhar dos mais pessimistas ante a qualquer gesto de seus personagens (até as cenas de sexo são filmadas com matizes neuróticas, angustiadas, negativas).

Já os planos que sobrevoam São Paulo, denotam o desejo do filme de derramar sobre a cabeça de todos os paulistanos um certo espírito de horror, supostamente compartilhado, quase como doença, pela metrópole (vide o personagem do recepcionista Lindovaldo que entra na história apenas para, cinco minutos depois, ser massacrado por um grupo de skinheads).

Desfeito o novelo e passado o vendaval de tragédias, chegamos ao rocambolismo final do roteiro (flashbacks desveladores) que só deixa mais claro o interesse do filme em chocar, em desnortear através de um acúmulo de equívocos, de mortes e de agressões entre seus personagens. Um rodamoinho monótono que não se resolve entre uma pequena tragédia familiar (nunca um Céu de Estrelas) ou uma levada pop sensacionalista de um suposto caos social.

Uma toada involuntariamente desgovernada de imagens em que um formalismo-do-informalismo subjuga os enquadramentos, parecendo querer encontrar um discurso possível da imagem total, do encontro de uma realidade não apenas ali-inventada (e aí o filme dialoga diretamente com os programas televisivos de reconstituição de crimes do tipo Linha Direta ou com a atual fase sensacionalista de Turma do Gueto).

Uma tela pintada em tom de sufocamento, onde sequer a um plano é permitido um momento de vivacidade ou de alegria. Culminando em um psicologismo social que beira o terrorismo, ou em um mero fetiche pelo desmantelamento da afetividade. Sublinhado por um trilha sonora que aparece apenas para nos dizer, em cores berrantes: tudo vai dar errado, nem adianta pensar diferente...

Até a salada de batata (!), em um plano em que a personagem de Leona Cavalli coloca a mesa de jantar na casa da família, é filmada com desdém, com desprezo – num close marcado da massa de tubérculos e maionese, que depois é servida pela filha da família com raiva, jogando-a no prato como se fosse algum tipo de lavagem.

Aí é demais.


Felipe Bragança