Contra
a Parede definitivamente não começa bem, quando
somos apresentados ao protagonista masculino da trama
(Cahit), em sua trajetória auto-destrutiva que o leva
até uma clínica de recuperação. Filmado no estilo “mundo
cão” mais rasteiro e patológico, o filme de Fatih Akin
parece fadado ao mais completo desinteresse. É quando
entra em cena, como um furacão, Sibel, a protagonista
feminina: a conhecemos pedindo Cahit em casamento, em
plena clínina e assim que o conhece - estando ela lá
por tentar cortar os pulsos. A impulsividade deste seu
primeiro ato em cena desconcerta não só o personagem
masculino, mas o espectador também, e desta forma injeta
vida e energia no que parecia mais um modorrento espetáculo
da vida bandida.
E assim será por toda a primeira metade do filme, que
se torna um embate entre um mau personagem (o punk desiludido
e marginal que tem um poster de Siouxsie and the Banshees
atrás da porta de casa) com uma personagem excepcional,
a reprimida filha de família turca que quer viver a
vida em tudo que ela possa oferecer. Todas as vezes
em que ela está em cena o filme parece ganhar enorme
interesse: tudo foge de um padrão, de um olhar estabelecido.
Nem importa tanto que o filme seja apenas mais uma história
de amor entre “diferentes que se apaixonam”, quase uma
refilmagem etnicamente correta e com atores de Shrek (o ogro que vira príncipe, a princesa que vira ogra): porque
sempre importa menos que se esteja contando mais uma
vez o que já conhecemos, e sim que esteja sendo contado
com tanta energia e paixão quanto ela injeta na tela,
mesmo e principalmente na relação entre os dois.
No entanto, lá pela uma hora de filme, talvez preocupado
com sua capacidade de manter pela duração de um longa
aquele cinema de pele que é o melhor do filme, Akin
introduz uma trama absolutamente patética, a partir
de um ato completamente arbitrário – o assassinato de
um amante de Sibel por Cahit, com um golpe de cinzeiro.
De repente, toda a vida se esvai do filme, que cai de
vez num tosco melodrama moralizante e culpabilizador,
onde os personagens pagam cada centavo do preço de sua
“inadequação” às regras tolas do convívio social. Vão
se acumulando, então, as mais torpes soluções dramáticas
(como um personagem marcar sua passagem de humor cortando
radicalmente o cabelo ou deixando a barba crescer) e
a personagem de Sibel é quem acaba prisioneira – não
da Lei dos Homens, mas certamente da Lei do Diretor.
Enclausurada nesta via crúcis sem nenhum sentido, com
ela morre também qualquer interesse do filme e tudo
se torna repetitivo e banal (como acontece, por exemplo,
com a marcação da passagem de “capítulos” pela presença
de um grupo musical turco tocando na frente de uma paisagem
urbana à beira de um rio – o que no início é misterioso
e de uma beleza estranha, logo se torna óbvio e sem
função real de interesse). Para entender o que propõe
o filme, basta ver sua filmagem de cenas de sexo (assim
como a "boa virada" de Cahit na prisão
nos apresenta ele tomando somente água no final):
quando Cahit está com Maren (a sua amante antes
de conhecer Sibel) o sexo que fazem é encenado
como violento e cheio de angústias, e a câmera
os observa com estranheza e distanciamento. Quando finalmente
se consuma a relação de Cahit com Sibel
vemos no máximo um bom e velho papai-e-mamãe
filmado com elegância. A domesticação
dos afetos é enxergada como a autêntica
felicidade e carinho.
E assim Contra
a Parede apenas vem reforçar uma cada vez maior
sequência de ganhadores de prêmio principal nos festivais
de Berlim (caso deste) ou Veneza que indicam uma absoluta
indigência dos júris com um olhar para o cinema de hoje.
Eduardo Valente
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