Já que o título de seu filme
fala em “imagem”, vale discorrer um pouco sobre a imagem
que Agnès Jaoui vem aos poucos construíndo para si enquanto
cineasta. Certamente sua proposta não visa um cinema
de invenção, da renovação de linguagem: Jaoui apropria-se
de sua extensa bagagem como roteirista para, pelo que
pudemos ver em seus dois exercícios na direção, criar
pulsantes crônicas de um universo particular da França
pequeno-burguesa.
Se em sua estréia, com O
Gosto dos Outros, as personagens transitavam em um cenário
provinciano, estamos em Como
uma Imagem no mundo de intelectuais e artistas parisienses.
Tal fato só faz concretizar ainda mais a proximidade,
já evidente no primeiro filme, com o cinema de Woody
Allen, em especial em sua fase dos anos 80, que tem
como exemplo máximo a perfeição de Hannah
e suas Irmãs. Comparação, por sinal, nada desabonadora
para com Agnès Jaoui, pois o paralelo com a obra recente
de Allen só destaca o trabalho da suposta “seguidora”
como tendo conseguido superar o do “mestre”, ao menos
no panorama de produção atual.
Como em Hannah e suas Irmãs, temos aqui uma personagem
central, mas não protagonista absoluta (Lolita), em
torno da qual gravitam as demais - vindas de seu ambiente
familiar e de relações próximas. Curioso, e certamente
uma criação não gratuita, é o nome da personagem, em
todas suas características oposta à ninfeta de Nabokov.
Adolescente gordinha e insegura, figura nada sedutora,
e que em alguns momentos parece beirar a “chatice” absoluta.
Lolita, muito bem interpretada por Marilou Berri, apesar
da insegurança que contrasta com o excesso de confiança
(próximo à soberba) de seu pai, um escritor de prestígio
(Jean-Pierre Bacri), parece aos poucos estar se encaminhando
para tornar-se uma nova versão dele, com sua arrogância
e egoísmo. O filme centra seu desenvolvimento na forma
através da qual, guiada até certo ponto por sua professora
de canto (Jaoui), Lolita irá aprender a trilhar seu
próprio caminho, construír sua própria imagem.
Como em O Gosto dos Outros e outros roteiros do
casal Jaoui-Bacri (Amores
Parisienses, de Alain Resnais, por exemplo) o desenho
de personagens e suas relações se faz de forma minuciosa
- todos, em maior ou menor intensidade, dotados de seu
grau de mesquinhez, o que os torna ainda mais reais
e palpáveis. Dentre eles, o escritor de Jean-Pierre
Bacri é sem dúvida o mais marcante, com seu ego do tamanho
de um bonde, colecionando para si, ao longo do filme,
uma série de tiradas inesquecíveis. Mas não há descuido
quanto ao retrato dos demais num roteiro que, apesar
de menos virtuoso que o de O Gosto dos Outros, é certamante bem mais coeso.
Esta maior coesão do texto se reflete também numa clara
evolução de Jaoui enquanto diretora. Se no filme anterior
diversos momentos evidenciavam o academicismo de sua
mise en scène,
em Como uma Imagem esta se opera de forma
bem mais fluida. Sim, como já foi dito, Jaoui trabalha
dentro dos códigos do cinema narrativo clássico, mas
este segundo filme mostra um perfeito domínio e segurança
no escopo de sua proposta, o que consegue fazer com
que Como uma Imagem se posicione bem acima
daquilo que poderia ser classificado como um mero “filme
de roteiro”. E sério indicativo de que Jaoui é um talento
que ainda terá muito a oferecer pela frente.
Gilberto Silva Jr.
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