Os tempos atuais são extremamente
complicados para os cineastas que se dedicam a exercitar-se
num gênero específico, como é o caso de Mark Rosman
neste A Nova Cinderela. Isso porque a linguagem
do cinema tem sido de tal forma deglutida, regurgitada
e cuspida de volta, que um abraço ao gênero pede uma
de duas posições, necessariamente: uma tamanha crença
nele que consiga nos pegar de surpresa em tempos tão
cínicos, e com isso encontrar extrema beleza (exemplo
mais recente: Diário de uma Paixão, de Nick Cassavetes);
ou o uso do manancial de imagens criadas e recriadas,
de narrativas urdidas e encenadas, para propor uma nova
Verdade, por assim dizer, que venha emergir das profundezas
do mais falso (exemplo mais recente: Kill Bill,
ambos). Rosman não demonstra a capacidade de fazer nenhum
dos dois, e toma o caminha mais “fácil”, porém o menos
interessante: tentar o tempo todo se equilibrar entre
as opções. Ou seja: abraça todas as convenções do gênero,
no que busca a adesão do espectador, mas dando piscadelazinhas
de esperteza, como se quisesse não levar as regras a
sério de todo. Soa, então, apenas cínico e desinteressado.
A idéia de “atualizar” a história de Cinderela como
um filme de high school contemporâneo poderia
ser, em si, fonte de muito interesse. E Rosman até incorpora
alguns elementos interessantes, aqui e ali – como a
estranha mistura de contemporaneidade na ambientação
da escola com um tanto de nostalgia dos anos 50 na casa
e na lanchonete onde a nossa nova Cinderela trabalha.
No início este jogo tem ainda alguma graça, em especial
com a apresentação dos dois personagens “alívio cômico”
(a madrasta e o amigo da adolescente – ambos donos dos
melhores momentos do filme). Mas, rapidamente, Rosman
vai abraçando cada vez mais a sua banal narrativa de
“menina-impopular-apaixonada-pelo-menino-popular-mas-sensível”
e quando se vê estamos num exemplar absolutamente comum
do já esgotado gênero do high school, versão
anos 90. Num ano em que vimos Meninas Malvadas
quase virar o gênero de cabeça para baixo, todas as
tentativas de Rosman de dar diferencial a seu filme
soam como o menino mauricinho querendo chocar a família
tomando porre de Keep Cooler.
A isso, Rosman tenta juntar também uma discussão sobre
realidade e fantasia (na encenação e na vida), mas não
sabe muito bem como desenvolver o tema a contendo no
seu roteiro – que incorpora ainda uma um tanto quanto
precária e banal crítica aos tempos atuais (“it’s not
what you are, it’s what you wear”). O resultado, logo
logo, é o tédio mais completo, que só nos deixa como
opção ficar vendo a mais que esperada descambada do
filme para uma crença quase anacrônica no american
way of life (esta sim bem anos 50), e a tradicional
vingança contra os personagens “maus” - rebaixados e
humilhados aos papéis que forçavam aos “bonzinhos” no
início do filme. Mais do mesmo, requentado e bem fraco.
Eduardo Valente
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