Seja um processo de auto-reflexão
ou meramente uma fase seguinte de seu cinema, Kim Ki-duk
parece trilhar no momento um caminho, se não por completo
contrário em discurso, de um interesse cada vez menos
instigante. Em Casa Vazia parte de uma idéia
de bastante interesse (um sujeito que ocupa casas de
pessoas em viagem por algum tempo), para chegar num
enorme vazio estético. Na realidade, o interesse das
imagens dura algo como dois minutos, pois um primeiro
momento já na primeira invasão do protagonista levanta
a primeira desconfiança: o jovem logo após adentrar
o recinto, começa a consertar objetos quebrados, lavar
a roupa, como se em retribuição a sua estadia. Até onde
vai a inocência do espectador?
O processo de transição de um cineasta
cujo olhar chegou a interessar bastante num determinado
momento, para o atual "estado das coisas"
do cinema de Kim Ki-duk, se dá da mesma maneira
em que, em seu cinema, saem as imagens fortes onde existem
os corpos e entram as imagens vazias onde os corpos
parecem invisíveis (aqui, literalmente). Há ainda
em seu cinema uma capacidade de construção de ambientes
e climas, uma capacidade de colocar em cena aquilo que
lhe interessa – o problema aqui é que todo esse processo
parece esgotado, e se o resultado ainda é o intendido
pelo cineasta, já não é mais capaz de qualquer emoção.
Quase um cinema tão nulo que mereça passar despercebido,
o que é de certo algo que não se espera – e menos ainda
deseja – de qualquer cineasta, sobretudo realizadores
que em algum momento podem ter chamado um tipo especial
de atenção.
O filme sai de Tsai Ming-liang por completo (em cujo
Vive L’Amour, acima de todos, parece instalar-se),
quando, em uma de suas invasões, o protagonista encontra
a mulher e começa então a ajuda-lá a escapar de um violento
marido. Torna-se difícil ver qualquer interesse nos
personagens “bonitos” de Kim Ki-duk quando estes são
a completa bondade marginalizada, e o resto do mundo
parece o caos assustador que tenta afugentá-los. Sobram
o marido, que além de violento com a esposa, é vingativo;
o policial que irá massacrar nosso protagonista com
palavras e brutalidades físicas antes e depois de saber
que não é um homicida (e ainda irá gerar a cena mais
patética do filme com o já “invisível” mocinho acertando
as contas com ele); e a noção das famílias em deterioração
(que já começa a intermediar nossas relações com as
casas vazias antes mesmo do encontro com a mulher, que
virará a principal narrativa do filme - tendo em vista
o pouco que nos permite ver, por exemplo, daquela primeira
família).
Casa Vazia remete a uma noção particularmente
assustadora: um cinema de sentimentos que pouco sente.
Só isso pode vir à mente perante as imagens que Kim
Ki-duk tão calmamente parece construir. Muito mais do
que traçar um caminho enquanto cineasta que mais e mais
parece interessar pouco, Kim Ki-duk realiza em Casa
Vazia o mais falso dos filmes humanos: não convence
da bondade e tão pouco da maldade – sua ternura tem
a sensibilidade de uma martelada. Enganador, em amplos
sentidos.
Guilherme Martins
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