CARMEN
Vicente Aranda, Carmen, Espanha/Inglaterra/Itália, 2004

De Vicente Aranda, sabe-se sempre o que esperar. Menos pelo fato de que é um cineasta previsível – diversos grandes cineastas o são, em diferentes medidas –, mas porque se trata de um realizador burocrático. De todas as opções que ele tiver para filmar uma cena, a escolhida será a mais óbvia. É claro que somos sempre distraídos pelos luxos do figurino e da cenografia, para não mencionar a proliferação de seios e bundas de suas atrizes, filmados sempre sem muita vontade, mas, admitamos, com bastante generosidade. Em Carmen, não é diferente. Paz Vega interpreta a personagem do romance de Prosper Mérimée, a cigana protótipo de toda mulher fatal, a mulher que por sua beleza desvirtua até o mortal de sangue mais morno. É claro que Paz Vega se presta tanto ao papel de "protagonista de filmes de Vicente Aranda" quanto ao de "mulher que por sua beleza etc.". A questão é que tanto a direção pomposa e empertigada de Aranda quanto a preguiçosa direção de atores jamais conseguem criar no olhar da atriz uma Carmen. Poderia, no melhor dos mundos, uma Carmen habitar um cinema tão modorrento quanto o de Vicente Aranda? Difícil...

Personagens excessivos pedem filmes que se arrisquem. Não é, nunca foi e jamais será o caso de Vicente Aranda. Seu interesse sexual é puramente voyeurístico, sua pulsão é cenográfica: é claro que as emoções são de papelão. Poucos cineastas teriam a cara de pau de colocar a câmera rodando ao redor da cabeça do ator que acabou de matar a mulher amada. Essa seria uma piada sobre um abstrato cineasta genérico de circuito-de-arte, mas Aranda materializa e personifica a anedota. Vendo Carmen, uma única dúvida aparece: como um cineasta consegue conciliar seu gosto por corpos femininos desnudados com um cinema desprovido de qualquer sexualidade? A resposta aparece no fim do filme, quando José beija o corpo morto de sua adorada. Ele a beija dos pés à cabeça, mas curiosamente esquiva-se de qualquer zona erógena. Seu joelho é devidamente coberto de beijos, mas a boca passa longe de qualquer pelo púbico. Metáfora perfeita para um cinema que vive fugindo do essencial. O cinema de Vicente Aranda é verdadeiramente pudico.


Ruy Gardnier