De Vicente Aranda, sabe-se sempre
o que esperar. Menos pelo fato de que é um cineasta
previsível – diversos grandes cineastas o são,
em diferentes medidas –, mas porque se trata de um realizador
burocrático. De todas as opções
que ele tiver para filmar uma cena, a escolhida será
a mais óbvia. É claro que somos sempre
distraídos pelos luxos do figurino e da cenografia,
para não mencionar a proliferação
de seios e bundas de suas atrizes, filmados sempre sem
muita vontade, mas, admitamos, com bastante generosidade.
Em Carmen, não é diferente. Paz
Vega interpreta a personagem do romance de Prosper Mérimée,
a cigana protótipo de toda mulher fatal, a mulher
que por sua beleza desvirtua até o mortal de
sangue mais morno. É claro que Paz Vega se presta
tanto ao papel de "protagonista de filmes de Vicente
Aranda" quanto ao de "mulher que por sua beleza
etc.". A questão é que tanto a direção
pomposa e empertigada de Aranda quanto a preguiçosa
direção de atores jamais conseguem criar
no olhar da atriz uma Carmen. Poderia, no melhor dos
mundos, uma Carmen habitar um cinema tão modorrento
quanto o de Vicente Aranda? Difícil...
Personagens excessivos pedem filmes que se arrisquem.
Não é, nunca foi e jamais será
o caso de Vicente Aranda. Seu interesse sexual é
puramente voyeurístico, sua pulsão é
cenográfica: é claro que as emoções
são de papelão. Poucos cineastas teriam
a cara de pau de colocar a câmera rodando ao redor
da cabeça do ator que acabou de matar a mulher
amada. Essa seria uma piada sobre um abstrato cineasta
genérico de circuito-de-arte, mas Aranda materializa
e personifica a anedota. Vendo Carmen, uma única
dúvida aparece: como um cineasta consegue conciliar
seu gosto por corpos femininos desnudados com um cinema
desprovido de qualquer sexualidade? A resposta aparece
no fim do filme, quando José beija o corpo morto
de sua adorada. Ele a beija dos pés à
cabeça, mas curiosamente esquiva-se de qualquer
zona erógena. Seu joelho é devidamente
coberto de beijos, mas a boca passa longe de qualquer
pelo púbico. Metáfora perfeita para um
cinema que vive fugindo do essencial. O cinema de Vicente
Aranda é verdadeiramente pudico.
Ruy Gardnier
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