Desde os primeiros créditos
de Capitão Sky... fica bem clara a auto-consciência
de Corran quanto ao diálogo muito próximo
com o kitsch que seu filme estabelecerá.
Se tem uma coisa que não se pode, portanto, acusar
o filme é do desconhecimento deste seu estatuto
um tanto particular. Exagerado, auto-centrado, over,
são todos adjetivos que se pode colar a ele sem
muito medo de errar. Mas, se Corran parece evidentemente
sabedor do filme que faz ("it's only a movie",
vai dizer a personagem de Gwyneth Paltrow logo no início),
da falsidade que emana dele, o que ele não parece
saber é como adequar esta sua auto-consciência,
emuladora de tanta coisa diferente, com um discurso
narrativo minimamente interessante.
O amor de Corran pelo clima e pelo visual que seu filme
busca (algo retrô-futurista, que vai se colocar
na passagem dos anos 30 para os 40 cronologicamente,
mas não num passado exato e sim cinematográfico
de uma certa ficção científica)
é latente. Neste sentido, seu trabalho lembra
muito o de Guy Maddin (cineasta canadense recém-retrospectado
na Mostra de SP), que também propõe um
mergulho imagético/sonoro num determinado passado
inexistente - porque somente do cinema. Mas, assim como
acontece em Maddin, a sensação que o espectador
tem é que o amor do cineasta pelo ambiente que
quer criar é maior do que a capacidade de inserir
o espectador na relação com este ambiente.
São cineastas, portanto, que soam em vários
momentos completamente autistas - como que brincando
no seu mundinho próprio que só diz respeito
a eles. Neste sentido, o oposto exato seria Peyton Reed
em seu Abaixo o Amor, que consegue tornar sua
reinvenção amorosa de um tempo/gênero
cinematográfico algo engajador e vivo.
O problema específico em Corran é que
ele não consegue definir os limites entre o que
deseja levar a sério e o que deseja tornar risível,
e logo a indecisão torna risível o sério
e sério o risível. Claro que há
um componente de ridículo planejado (a loira
irritante de Paltrow perguntando para o cientista no
cinema quem será a próxima vítima
afinal, depois que ele já deixou bem claro que
seria ele), mas este jogo "tongue-in-cheek"
é um de muitos riscos, onde elementos como o
elenco, principalmente, precisam estar muito afinados
para dar conta do que é sátira e do que
é simpatia ao mesmo tempo. Neste sentido, Paltrow
e Jude Law levam um banho do casal Ewan McGregor e Renée
Zelweggler, de Abaixo o Amor. Seus protagonistas
em Capitão Sky... nos fazem torcer o tempo
todo pela (rara) volta à tela dos coadjuvantes
Angelina Jolie e Giovanni Ribisi, muito mais integrados
ao clima. Suas gélidas atuações
além de não nos engajarem nem um pouco
no filme, fazem acreditar que, para além da propaganda,
o filme não ganha nada tendo atores humanos interpretando
os personagens - melhor seria que fossem logo efeitos
de computador como todo o resto.
Neste ponto, chegamos à outra questão
central de Capitão Sky..., claro: sua
produção. Boa parte do marketing
do filme vem do ineditismo de sua proposta, que realiza
uma das profecias tão propaladas desde o início
da exploração da computação
gráfica: um filme feito de forma completamente
virtual, onde só os atores entram com as carinhas
num mundo criado em computador (inclusive, com a primeira
utilização - ainda que curta - daquela
outra profecia do início dos anos 90, a da volta
dos atores já mortos à ação:
Laurence Olivier "interpreta" o vilão).
Claro que, pensando bem, se esta virtualidade era a
"novidade" de Tron em 1982 (com outra
resolução de ambiência, lógico),
não há muito a comemorar - mas, aceitemos
o argumento de que o detalhismo e a grandiosidade seriam,
então, "a" novidade. O fracasso comercial
estrondoso (que lembra aquele de Final Fantasy
- o primeiro filme que usava só computação
gráfica para "simular realidade") mostra
que o público se interessa muito pouco por isso
tudo (e, no caso de Capitão Sky ainda
há o agravante do desinteresse do público
jovem de hoje pelas referências que o filme busca).
O fato é que, a essas alturas da história
do cinema, já sabemos que uma novidade técnica
não garante nada em termos de interesse cinematográfico,
e Capitão Sky parece um daqueles filmes
sonoros ou coloridos iniciais em suas respectivas tecnologias:
que sabem como fazer, e querem mostrar que podem fazer
- só não sabem o porquê de fazerem
aquilo que podem fazer. Ou, como disse um crítico
americano: a impressão que dá é
que Corran sabe tudo sobre filmes de aventura dos anos
40, exceto como fazer um deles.
Capitão Sky, cujo destino parece o de
ser um auto-escrito verbete de enciclopédia futura
("o primeiro filme a ..."), resulta então
é num bizarro produto onde assistir ao filme
dá vontade de ver o making of - mas não
devia ser ao contrário?
Eduardo Valente
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