O cinema que Danielle Arbid
quer praticar certamente é um do qual gostamos:
olhar atento a seus personagens, seus corpos, seus toques,
a crença de que filmar um rosto, filmar a presença
humana em movimento e em relação aos que
estão em sua volta e o ambiente por onde circula
pode encontrar, por si só, um sentido para além
das banalidades de pequenas urdiduras narrativas ou
de exposições de capacidades de produção
de cinema. Seu cinema é um cinema profundamente
humano, sem dúvida, e por isso não pode
deixar de nos interessar - principalmente porque entende
como humano o sublime espaço que há entre
a falibilidade absurda e a possibilidade da transcendência
das menores experiências terrenas.
Dito isso, ainda falta a Arbid um tanto para que consiga
realizar o tipo de cinema que faz hoje uma Lucrecia
Martel - certamente a melhor comparação
em termos de estilo e interesses com o cinema de Arbid.
Não vai aí quase nenhum demérito
à realizadora libanesa, afinal o olho e o domínio
de linguagem de cinema que Martel possui não
são mesmo de se esperar ver-se reproduzidos a
toda hora. Mas, ainda assim, é impossível
fugir da comparação para que se perceba
o que ainda falta a Arbid. Falta, antes de tudo, perceber
que certas conceituações teóricas
sobre determinados planos ou sequências de seus
filmes devem ser menos importantes que as suas personagens
e os movimentos destas em cena - por vezes o cinema
de Arbid soa por demais "pensado" para causar
o efeito poético, ao invés de apenas poético
por si mesmo. Falta, também, conseguir dar a
todas as suas personagens a mesma densidade, operação
que Martel realiza com maestria, em especial no último
La niña santa. Eventualmente, a figura
do pai ou da tia mais velha soam um tanto esquemáticas
aqui neste filme libanês, e mesmo a menina protagonista
não tem a força de presença que
se desejaria dela em alguns momentos.
Mas, dito isso, há muito mais a se comemorar
pela raridade de olhar que Arbid apresenta do que a
reclamar de suas limitações ainda latentes.
Os momentos em que consegue articular alguns belíssimos
planos de partes de corpos, de imagens não completas
são especialmente impressionantes. Da mesma forma
que sua junção da Grande História
(no caso, o Líbano dos anos 80) com a (nada)
pequena história da vida de suas personagens
nunca soa forçada, sempre funcional e bem articulada
(como quando uma personagem, amedrontada, afirma a outro:
"As bombas estão chegando perto". E
ele: "O que eu posso fazer?"). Por isso tudo
é que, se ao longo do filme Arbid perde um pouco
sua capacidade de surpreender-nos com suas imagens,
não devemos deixar de lado a surpresa da descoberta
que é, como um todo, este seu primeiro longa.
A esperar o que virá a seguir.
Eduardo Valente
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