NOS CAMPOS DE BATALHA
Danielle Arbid, Maarek hob, Líbano/Bélgica/França/Alemanha, 2004

O cinema que Danielle Arbid quer praticar certamente é um do qual gostamos: olhar atento a seus personagens, seus corpos, seus toques, a crença de que filmar um rosto, filmar a presença humana em movimento e em relação aos que estão em sua volta e o ambiente por onde circula pode encontrar, por si só, um sentido para além das banalidades de pequenas urdiduras narrativas ou de exposições de capacidades de produção de cinema. Seu cinema é um cinema profundamente humano, sem dúvida, e por isso não pode deixar de nos interessar - principalmente porque entende como humano o sublime espaço que há entre a falibilidade absurda e a possibilidade da transcendência das menores experiências terrenas.

Dito isso, ainda falta a Arbid um tanto para que consiga realizar o tipo de cinema que faz hoje uma Lucrecia Martel - certamente a melhor comparação em termos de estilo e interesses com o cinema de Arbid. Não vai aí quase nenhum demérito à realizadora libanesa, afinal o olho e o domínio de linguagem de cinema que Martel possui não são mesmo de se esperar ver-se reproduzidos a toda hora. Mas, ainda assim, é impossível fugir da comparação para que se perceba o que ainda falta a Arbid. Falta, antes de tudo, perceber que certas conceituações teóricas sobre determinados planos ou sequências de seus filmes devem ser menos importantes que as suas personagens e os movimentos destas em cena - por vezes o cinema de Arbid soa por demais "pensado" para causar o efeito poético, ao invés de apenas poético por si mesmo. Falta, também, conseguir dar a todas as suas personagens a mesma densidade, operação que Martel realiza com maestria, em especial no último La niña santa. Eventualmente, a figura do pai ou da tia mais velha soam um tanto esquemáticas aqui neste filme libanês, e mesmo a menina protagonista não tem a força de presença que se desejaria dela em alguns momentos.

Mas, dito isso, há muito mais a se comemorar pela raridade de olhar que Arbid apresenta do que a reclamar de suas limitações ainda latentes. Os momentos em que consegue articular alguns belíssimos planos de partes de corpos, de imagens não completas são especialmente impressionantes. Da mesma forma que sua junção da Grande História (no caso, o Líbano dos anos 80) com a (nada) pequena história da vida de suas personagens nunca soa forçada, sempre funcional e bem articulada (como quando uma personagem, amedrontada, afirma a outro: "As bombas estão chegando perto". E ele: "O que eu posso fazer?"). Por isso tudo é que, se ao longo do filme Arbid perde um pouco sua capacidade de surpreender-nos com suas imagens, não devemos deixar de lado a surpresa da descoberta que é, como um todo, este seu primeiro longa. A esperar o que virá a seguir.

Eduardo Valente