Por certo Jean-Paul Rappeneau
desejou impregnar seu novo filme com um gosto de nostalgia.
Principalmente a nostalgia de uma forma de cinema que
não existe mais, repleto de um romantismo exacerbado
e emoções arrebatadoras caras às fitas das décadas de
1930 e 40 - período, aliás, no qual se passa a ação
de Viagem do Coração. O filme explora um painel
histórico que tão bem se encaixa à proposta do diretor:
o início da 2ª Guerra e a invasão de Paris
pelos alemães, quando políticos, artistas e intelectuais
parisienses se vêem forçados a fugir para o sul do país,
livre da ocupação.
Rappeneau também não ignora que, como nos filmes a que
seu trabalho reporta, a presença de grandes astros é
fator fundamental para a atração do público, e encabeça
seu elenco com dois dos mais célebres atores do cinema
francês nos últimos anos: Isabelle Adjani e Gerard Depardieu.
O roteiro de Patrick Modiano mistura intrigas políticas,
assassinato, romance, espionagem, o que poderia render
um cativante melodrama de ação. Mas Rappeneau e Modiano
cometem um erro crasso que põe por terra todas suas
aparentes pretensões: a injeção de ingredientes cômicos
no filme. Isto acaba por transformar o que seria um
tributo a um cinema que o tempo deixou para trás em
um pastiche infantilóide do modelo ao qual pretendera
homenagear.
Deste modo Viagem
doCoração se firma como um filme que em nenhum momento
ultrapassa preceitos resumidos no conceito já tão desgastado
do “cinema de qualidade”, principalmente pelo fato de
ser um trabalho que também já nasce desgastado. Resta
a Rappeneau apelar a velhos recursos para tentar seduzir
o espectador com um humor rasteiro, com sua suntuosa
perfumaria de produção (cenários, figurinos, fotografia)
e o tradicional tema da tomada de decisão entre as necessidades
individuais e coletivas no tempo de guerra - com um
final que tem seus momentos de Casablanca, mas onde o avião é substituído por um barco.
Porém, acima de tudo, o que melhor exemplifica o desacerto
quase completo no qual Viagem do Coração acaba descambando é mesmo a atuação de Isabelle Adjani.
Atriz que em quase trinta anos de carreira vem oferecendo
um trabalho na maioria das vezes irrepreensível (quando
não genial) Adjani apresenta sua maquiavélica diva com
um toque de exagero e caricatura em tons muito acima
do desejável. Reflexo de todo um clima que se impõe
ao longo da ação. É assim que a lembrança de Viagem
do Coração trará sempre à mente o fato
desta ser uma fita (para ficarmos no linguajar nostálgico)
na qual Isabelle Adjani atua mal. E isso diz praticamente
tudo sobre o filme.
Gilberto Silva Jr.
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