VIAGEM DO CORAÇÃO
Jean-Paul Rappeneau, Bon voyage, França, 2003

Por certo Jean-Paul Rappeneau desejou impregnar seu novo filme com um gosto de nostalgia. Principalmente a nostalgia de uma forma de cinema que não existe mais, repleto de um romantismo exacerbado e emoções arrebatadoras caras às fitas das décadas de 1930 e 40 - período, aliás, no qual se passa a ação de Viagem do Coração. O filme explora um painel histórico que tão bem se encaixa à proposta do diretor: o início da 2ª Guerra e a invasão de Paris pelos alemães, quando políticos, artistas e intelectuais parisienses se vêem forçados a fugir para o sul do país, livre da ocupação.

Rappeneau também não ignora que, como nos filmes a que seu trabalho reporta, a presença de grandes astros é fator fundamental para a atração do público, e encabeça seu elenco com dois dos mais célebres atores do cinema francês nos últimos anos: Isabelle Adjani e Gerard Depardieu. O roteiro de Patrick Modiano mistura intrigas políticas, assassinato, romance, espionagem, o que poderia render um cativante melodrama de ação. Mas Rappeneau e Modiano cometem um erro crasso que põe por terra todas suas aparentes pretensões: a injeção de ingredientes cômicos no filme. Isto acaba por transformar o que seria um tributo a um cinema que o tempo deixou para trás em um pastiche infantilóide do modelo ao qual pretendera homenagear.

Deste modo Viagem doCoração se firma como um filme que em nenhum momento ultrapassa preceitos resumidos no conceito já tão desgastado do “cinema de qualidade”, principalmente pelo fato de ser um trabalho que também já nasce desgastado. Resta a Rappeneau apelar a velhos recursos para tentar seduzir o espectador com um humor rasteiro, com sua suntuosa perfumaria de produção (cenários, figurinos, fotografia) e o tradicional tema da tomada de decisão entre as necessidades individuais e coletivas no tempo de guerra - com um final que tem seus momentos de Casablanca, mas onde o avião é substituído por um barco.

Porém, acima de tudo, o que melhor exemplifica o desacerto quase completo no qual Viagem do Coração acaba descambando é mesmo a atuação de Isabelle Adjani. Atriz que em quase trinta anos de carreira vem oferecendo um trabalho na maioria das vezes irrepreensível (quando não genial) Adjani apresenta sua maquiavélica diva com um toque de exagero e caricatura em tons muito acima do desejável. Reflexo de todo um clima que se impõe ao longo da ação. É assim que a lembrança de Viagem do Coração trará sempre à mente o fato desta ser uma fita (para ficarmos no linguajar nostálgico) na qual Isabelle Adjani atua mal. E isso diz praticamente tudo sobre o filme.

Gilberto Silva Jr.