ANTES DO PÔR-DO-SOL
Richard Linklater, Before sunset, EUA, 2004

Um dos mais autênticos exercícios de entrega ao cinema, Antes do Pôr-do-Sol traz uma surpresa a cada instante, um plano mais perfeito que o antecessor – poucas vezes o cinema esteve tão vivo como aqui. Richard Linklater, cineasta já de inúmeras qualidades, renasce como Eric Rohmer, e até mesmo Manoel de Oliveira, em uma seqüência como a da conversa no carro. Mas, mais do que fazer seu cinema lembrar alguns dos maiores mestres, Antes do Pôr-do-Sol é, em si, um filme digno das maiores obras destes.

Os nove anos passados desde Antes do Amanhecer pesaram para todos, cineasta e colaboradores; a carga do tempo e a importância deste é tão forte para Ethan Hawke e Julie Delpy quanto para Jesse e Celine (seus personagens), ou mesmo para Linklater. Nada menos surpreendente, então, que saber que o trabalho de criação do filme foi todo realizado em conjunto entre os três. Eles já não têm mais um dia, e sim pouco mais de hora, para dividir sua presença - sob a constante pressão quanto ao momento de partir. A urgência da paixão não precisa mais de um dia para aflorar – poucos minutos bastam para que Jesse e Celine tenham, tal qual o espectador, reinflamado a chama dos melhores momentos de Antes do Amanhecer. Partir?

Construindo seu filme principalmente em longos planos, que basicamente acompanham os dois personagens do início ao fim (não há mais os transeuntes que cruzam seus caminhos, os dois somente possuem a si mesmos), Linklater consegue com que a beleza dos momentos mais simples, quando acompanhamos somente os personagens em ruas comuns de Paris, sejam tão belos quanto aquele em que eles adentram o barco e no qual Celine tem a chance de ver Paris pela primeira vez como turista - onde as paisagens estão propositalmente ali. À medida que o filme segue, aumenta a impressão de que Paris em raras ocasiões tenha sido tão bem filmada: a câmera vai se apaixonando mais e mais por tudo que mostra, pelas pessoas que mostra, por tudo que significa aquilo que ela filma.

A necessidade de não se desgrudar jamais vai ficando clara através de um passeio pelo rio, uma volta no barco, uma carona para casa, o andar até a porta, subir para ouvir tocar uma música – tudo parece ao mesmo tempo tão pressionado pelo tempo, mas também tão leve. As trocas de diálogos são como música para as imagens que lhes acompanham. O trabalho formal de Linklater é ao mesmo tempo contemplativo e extremamente ativo - a maior prova sendo o maravilhoso fade final, um direto no coração.

É difícil se alongar quando se trata de uma obra que parece tão rica em consistência que torna-se necessário retornar ao filme mais algumas vezes para quem sabe começar a se dar conta de todas as nuances da obra. Poucas vezes ao final de um filme o impacto lhe joga contra a poltrona tão brutalmente que sua vontade é simplesmente de ficar ali pela eternidade. Voltar ao filme mais vezes é a única saída perante tanta paixão, não se desgrudar jamais do filme é o desejo final, tal qual Jesse e Celine. Filme de amor.

Guilherme Martins

 

 




Julie Delpy e Ethan Hawke em Antes do Pôr-do-sol