Um dos mais autênticos
exercícios de entrega ao cinema, Antes do
Pôr-do-Sol traz uma surpresa a cada instante,
um plano mais perfeito que o antecessor – poucas vezes
o cinema esteve tão vivo como aqui. Richard Linklater,
cineasta já de inúmeras qualidades, renasce
como Eric Rohmer, e até mesmo Manoel de Oliveira,
em uma seqüência como a da conversa no carro.
Mas, mais do que fazer seu cinema lembrar alguns dos
maiores mestres, Antes do Pôr-do-Sol é,
em si, um filme digno das maiores obras destes.
Os nove anos passados desde Antes do Amanhecer
pesaram para todos, cineasta e colaboradores; a carga
do tempo e a importância deste é tão
forte para Ethan Hawke e Julie Delpy quanto para Jesse
e Celine (seus personagens), ou mesmo para Linklater.
Nada menos surpreendente, então, que saber que
o trabalho de criação do filme foi todo
realizado em conjunto entre os três. Eles já
não têm mais um dia, e sim pouco mais de
hora, para dividir sua presença - sob a constante
pressão quanto ao momento de partir. A urgência
da paixão não precisa mais de um dia para
aflorar – poucos minutos bastam para que Jesse e Celine
tenham, tal qual o espectador, reinflamado a chama dos
melhores momentos de Antes do Amanhecer. Partir?
Construindo seu filme principalmente em longos planos,
que basicamente acompanham os dois personagens do início
ao fim (não há mais os transeuntes que
cruzam seus caminhos, os dois somente possuem a si mesmos),
Linklater consegue com que a beleza dos momentos mais
simples, quando acompanhamos somente os personagens
em ruas comuns de Paris, sejam tão belos quanto
aquele em que eles adentram o barco e no qual Celine
tem a chance de ver Paris pela primeira vez como turista
- onde as paisagens estão propositalmente ali.
À medida que o filme segue, aumenta a impressão
de que Paris em raras ocasiões tenha sido tão
bem filmada: a câmera vai se apaixonando mais
e mais por tudo que mostra, pelas pessoas que mostra,
por tudo que significa aquilo que ela filma.
A necessidade de não se desgrudar jamais vai
ficando clara através de um passeio pelo rio,
uma volta no barco, uma carona para casa, o andar até
a porta, subir para ouvir tocar uma música –
tudo parece ao mesmo tempo tão pressionado pelo
tempo, mas também tão leve. As trocas
de diálogos são como música para
as imagens que lhes acompanham. O trabalho formal de
Linklater é ao mesmo tempo contemplativo e extremamente
ativo - a maior prova sendo o maravilhoso fade final,
um direto no coração.
É difícil se alongar quando se trata de
uma obra que parece tão rica em consistência
que torna-se necessário retornar ao filme mais
algumas vezes para quem sabe começar a se dar
conta de todas as nuances da obra. Poucas vezes ao final
de um filme o impacto lhe joga contra a poltrona tão
brutalmente que sua vontade é simplesmente de
ficar ali pela eternidade. Voltar ao filme mais vezes
é a única saída perante tanta paixão,
não se desgrudar jamais do filme é o desejo
final, tal qual Jesse e Celine. Filme de amor.
Guilherme Martins
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