Terry Zwigoff, nesta sua segundo
incursão no filme de ficção (após o bastante interessante,
mas desequilibrado, Mundo Cão), se propõe a filmar
um Papai Noel que bebe, trepa, fala palavrão, etc. Ou
seja, estamos diante de um ícone do imaginário popular
colocado na posição de fazer tudo aquilo que não se
associa ele. A felicidade de Zwigoff em Papai Noel
às Avessas foi justamente, ao observar o material
que tinha em mãos, optar em ir direto ao que há de mais
básico e primário nele. O filme funciona em duas frentes:
de um lado reconhece as possibilidades de jogar com
a iconografia, de outro mergulha da forma mais grosseira
possível no material. Quando consegue juntar estas abordagens,
o filme de Zwigoff funciona muito bem.
Aqui e ali há sinais de produção independente “esperta”
(os irmãos Coen são produtores executivos), mas Zwigoff
segura o filme justamente pelo tom maníaco e sem vergonha
que impõe. Estamos diante de uma genuína comédia lowbrow
mais para a grossura dos derivados mais pobres dos irmãos
Farrelly (apesar de um domínio por trás das câmeras
que estes subprodutos não costumam ter) do que para
os jogos de gêneros dos Coen (e dado o material isto
é certamente um alivio). Papai Noel às Avessas
parece nunca temer o excesso, seja a das caricaturas
seja das piadas de mau gosto. Muito disso funciona graças
ao elenco, em especial um inspiradíssimo Billy Bob Thorton
- que agarra com gosto a oportunidade de interpretar
seu Papai Noel grosseiro.
Mais interessante ainda é como o filme expande a idéia
de jogar com iconografia para pensar muito bem em como
as suas imagens se relacionam com o espectador. A começar
pela opção de construir o filme a partir de uma estrutura
bem quadrada de “conto de Natal”. De certa forma, as
melhores seqüências do filme são justamente aquelas
protagonizadas pelo garoto que o Papai Noel de Thornton
se torna amigo. A escolha da criança é perfeita, Zwigoff
nos entrega um moleque que consegue se confundir de
tal forma com a sua personagem que termina por criar
um certo mal estar: o que vemos na tela parece ser mesmo
um garoto retardado - o que tem o efeito de tornar as
cenas dele ao mesmo tempo mais engraçadas e mais perturbadoras.
Zwigoff parece sempre interessado em garantir que seu
espectador não se sinta superior ao material, em puxar
o tapete dele. Papai Noel às Avessas pode rir
das histórias de Natal, mas também o faz daqueles que
se acham acima delas.
Filipe Furtado
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