AVANIM
Raphael Nadjari, Avanim, Israel/França, 2004

A forma de trabalho de Nadjari com seus roteiros (este é seu quarto longa, sendo que um deles, Eu Sou o Irmão de Josh Polonski, passou no Festival do Rio em 2001) é bastante peculiar: ele não escreve os diálogos, apenas as situações, e os atores ficam livres para improvisar as cenas de acordo com suas sensações no momento, sempre seguindo este pré-montado outline de situações. Não é nada de novo, mas também não é o meio corrente de lidar com o cinema de ficção. Este método soa especialmente peculiar, quando descobrimos que, francês de origem judaica, Nadjari não fala hebraico. Portanto, neste seu quarto filme, todo ele passado em Israel e falado nesta língua (ao contrário dos anteriores), ele simplesmente não entendia exatamente o que os atores estavam falando em cena ao longo da filmagem.

Se o que Nadjari deseja com este método é uma sensação mais próxima do realismo (e aí, estamos supondo a partir do que vemos na tela), inegavelmente ele o consegue. Claro que para isso ele incorpora todo um arsenal de ferramentas de linguagem que se unam a este método dramático (a câmera na mão acompanhando os atores o tempo todo, os cortes em movimento que marcam, em especial, o começo do filme), de forma a ter este efeito. Mas o efeito de realismo não implica, deve-se dizer, em Verdade na tela: trata-se tão somente de um método para atingir um determinado efeito a partir de clichês de linguagem já depreendidos para tal fim.

A questão em Avanim é o processo de perda de controle de sua própria vida por uma personagem feminina: casada, mãe de um filho pequeno, quando a encontramos (e estaremos ao lado dela o filme todo), ela já se encontra em crise. Com o pai, com quem trabalha (por conta de uma questão ética do seu trabalho na firma de contabilidade); com o marido (começamos o filme numa cena de sexo dela com o amante); até mesmo com o filho, pois ficamos sabendo que ela está constantemente atrasada ao buscá-lo na creche. Trata-se de uma mulher à beira de um ataque de nervos – e mais cedo ou mais tarde, ele virá. É interessante que ele venha por conta de um atentado terrorista na sua cidade, porque o filme incorpora as questões do Oriente Médio a partir de seu efeito na vida destas pessoas tão somente. Não é uma questão política, e sim uma questão pessoal: o atentado mata o amante de Michale (a personagem), e só por isso ele está no filme – de resto, não é uma questão no trabalho de Nadjari, em nenhum momento, a violência em Israel e territórios.

Até aí o filme vai bem, ainda que por vezes o método de Nadjari pareça mais importante para ele do que o bem do andamento de seu próprio filme (em inúmeras cenas há tempos mortos que não soam como os dos personagens, e sim dos atores buscando seus personagens em cena). Só que, a partir do atentado, instaura-se uma duplicidade de registros em jogo, inegavelmente: se o método de Nadjari é um que funciona principalmente nos pequenos momentos, nas sensações quase escondidas dos personagens, rapidamente o desmoronamento da vida da personagem vai ganhando contornos excessivamente melodramáticos, o que não é um mal em si, mas simplesmente parece propor um outro filme que não aquele a que assistíamos. Isso fica especialmente claro no fato dramático escolhido como o fecho da história: um assassinato absolutamente aleatório dentro da lógica do filme, desnecessário mesmo na sua catarse forçada, que em tudo nega um olhar delicado anterior, subjetivo, em chave menor.

O filme parece, então, dividido, fendido, e fica difícil entender exatamente do quê Nadjari queria falar no fim das contas: se dos pequenos dramas do cotidiano ou de uma história quase épica na sua confluência repentina de tragédias. Nesta dúvida, o filme perde bastante da sua magia, embora mantenha na lembrança alguns belos momentos de trabalho do seu elenco, especialmente da protagonista (uma mulher propositalmente não-simpática, e que o filme nos força a acompanhar o tempo todo).

Eduardo Valente