A forma de trabalho de Nadjari
com seus roteiros (este é seu quarto longa, sendo que
um deles, Eu Sou o Irmão de Josh Polonski, passou
no Festival do Rio em 2001) é bastante peculiar: ele
não escreve os diálogos, apenas as situações, e os atores
ficam livres para improvisar as cenas de acordo com
suas sensações no momento, sempre seguindo este pré-montado
outline de situações. Não é nada de novo, mas
também não é o meio corrente de lidar com o cinema de
ficção. Este método soa especialmente peculiar, quando
descobrimos que, francês de origem judaica, Nadjari
não fala hebraico. Portanto, neste seu quarto filme,
todo ele passado em Israel e falado nesta língua (ao
contrário dos anteriores), ele simplesmente não entendia
exatamente o que os atores estavam falando em cena ao
longo da filmagem.
Se o que Nadjari deseja com este método é uma sensação
mais próxima do realismo (e aí, estamos supondo a partir
do que vemos na tela), inegavelmente ele o consegue.
Claro que para isso ele incorpora todo um arsenal de
ferramentas de linguagem que se unam a este método dramático
(a câmera na mão acompanhando os atores o tempo todo,
os cortes em movimento que marcam, em especial, o começo
do filme), de forma a ter este efeito. Mas o efeito
de realismo não implica, deve-se dizer, em Verdade na
tela: trata-se tão somente de um método para atingir
um determinado efeito a partir de clichês de linguagem
já depreendidos para tal fim.
A questão em Avanim é o processo de perda de
controle de sua própria vida por uma personagem feminina:
casada, mãe de um filho pequeno, quando a encontramos
(e estaremos ao lado dela o filme todo), ela já se encontra
em crise. Com o pai, com quem trabalha (por conta de
uma questão ética do seu trabalho na firma de contabilidade);
com o marido (começamos o filme numa cena de sexo dela
com o amante); até mesmo com o filho, pois ficamos sabendo
que ela está constantemente atrasada ao buscá-lo na
creche. Trata-se de uma mulher à beira de um ataque
de nervos – e mais cedo ou mais tarde, ele virá. É interessante
que ele venha por conta de um atentado terrorista na
sua cidade, porque o filme incorpora as questões do
Oriente Médio a partir de seu efeito na vida destas
pessoas tão somente. Não é uma questão política, e sim
uma questão pessoal: o atentado mata o amante de Michale
(a personagem), e só por isso ele está no filme – de
resto, não é uma questão no trabalho de Nadjari, em
nenhum momento, a violência em Israel e territórios.
Até aí o filme vai bem, ainda que por vezes o método
de Nadjari pareça mais importante para ele do que o
bem do andamento de seu próprio filme (em inúmeras cenas
há tempos mortos que não soam como os dos personagens,
e sim dos atores buscando seus personagens em cena).
Só que, a partir do atentado, instaura-se uma duplicidade
de registros em jogo, inegavelmente: se o método de
Nadjari é um que funciona principalmente nos pequenos
momentos, nas sensações quase escondidas dos personagens,
rapidamente o desmoronamento da vida da personagem vai
ganhando contornos excessivamente melodramáticos, o
que não é um mal em si, mas simplesmente parece propor
um outro filme que não aquele a que assistíamos. Isso
fica especialmente claro no fato dramático escolhido
como o fecho da história: um assassinato absolutamente
aleatório dentro da lógica do filme, desnecessário mesmo
na sua catarse forçada, que em tudo nega um olhar delicado
anterior, subjetivo, em chave menor.
O filme parece, então, dividido, fendido, e fica difícil
entender exatamente do quê Nadjari queria falar no fim
das contas: se dos pequenos dramas do cotidiano ou de
uma história quase épica na sua confluência repentina
de tragédias. Nesta dúvida, o filme perde bastante da
sua magia, embora mantenha na lembrança alguns belos
momentos de trabalho do seu elenco, especialmente da
protagonista (uma mulher propositalmente não-simpática,
e que o filme nos força a acompanhar o tempo todo).
Eduardo Valente
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