O próprio título anuncia o tom
fúnebre, gerado pela agressão ampla à vida, e não somente
à uma vida. Nas primeiras imagens, vemos um encadeamento
de fragmentos que, embora busquem construir um esboço
de painel para se chegar a uma síntese da questão enfocada
(o assassinato do primeiro-ministro isaraelense Yitzhak
Rabin), desorganizam-se na tarefa de dar sentido. Será
essa desorganização como projeto estético, político
e dramático que Amos Gitai transforma em protagonista
de seu filme. Não se trata de um documentário “objetivo”
sobre os efeitos do assassinato do primeiro ministro
Rabin - há depoimentos, sim, há trechos poéticos, sim,
mas eles não explicam nada. A questão principal é a
própria impossibilidade de organizar uma narrativa capaz
de entender a lógica do absurdo no processo de conflitos
e negociações por posse de territórios.
Arena da Morte é um ensaio de luto elaborado
por uma subjetividade angustiada e asfixiante. Realizado
durante a fase de sua carreira conhecida como “trilogia
das cidades” (Devarim, Yom yom e Kadosh),
talvez seja o mais pessoal dos filmes de Gitai - com
sua presença diante da câmera, trechos nos quais fala
de sua experiência na guerra e com o cinema, versos
declamados por sua mãe. O autor coloca-se dentro da
questão Israel, transforma o processo cinematográfico
em tema e sintetiza seu conceito em uma cena: ele no
quadro, um prédio cai ao fundo, ele sai do quadro. Gitai
segue esse movimento de estar junto ao tema e sair dele
para tentar entendê-lo de fora, como observador científico
- sem no entanto conseguir o distanciamento necessário
para se entender algo, justamente por estar dentro demais
do vendaval.
Tomemos uma cena que, pela construção, traduz esse “dentro”
e “fora”. Entrevista com Lea Rabin: vemos o diretor
de costas e ela de frente. A câmera, aos poucos, aproxima-se.
Lentamente, ele sai de quadro, deixando-a só. Saímos
do geral para o íntimo (dela), da situação política
para o testemunho pessoal da esposa (e não de esposa
de político), ao mesmo tempo em que o diretor sai da
cena e, de fora, passa a ser um observador.
No entanto, como observador, ele intervém. Sua única
possibilidade de falar de seu meio e de seu tempo é
assumir-se como parte de seu meio e de seu tempo para
narrar com um olhar afetado e limitado pelo entorno.
Ele prioriza as dissonâncias, todo tipo de intervenção
que, por opção, desorganiza o entendimento (sobreposição
de imagens inclusive). Sem racionalizar a soma dos planos,
ou racionalizando apenas para delas não extrair síntese
de realidade alguma, só se torna possível “sentir” as
imagens. E assim podemos participar do luto dolorido
do cineasta.
Na primeira pergunta, para a viúva de Rabin, Gitai escancara
a postura: “A senhora está pessimista com o futuro do
país?” Não importa a resposta porque a pergunta é mais
reveladora. Ao formulá-la, o diretor não disfarça seu
ceticismo, sua rudeza de visão: Gitai não filma com
manteiga. Propõe-se na maioria dos filmes a atingir
uma certa exasperação – às vezes mais, às vezes menos.
Em alguns momentos, pesa a mão além da conta, embora
a mão pesada seja um princípio de seu cinema de espírito
carregado. Em Arena da Morte, o peso está no ar, ou na
construção da atmosfera. O choque seco de desencanto
brutal se dá na valorização de imagens de um show de
rock no qual o líder da banda grita slogans políticos
centrados na idéia de geração perdida e povo culpado.
A tela banha-se de luz vermelha nestes momentos e transforma
os gritos de ordem em mantra político com feridas expostas.
Completam a visão sombria fragmentos de um mar revolto
e do céu cinzento. A natureza carrancuda com o humano,
o artista confuso diante de si no mundo.
Cléber Eduardo
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