É fácil entender,
ao assistir-se a este A Pequena Lili, o que Claude
Miller tem a ganhar ao adaptar A Gaivota, de
Tchekov. Difícil é entender o que Tchekov
e sua obra têm a ganhar sendo adaptados por Miller.
Na transposição de linguagens feita por
Miller, tudo que torna o escritor russo fascinante,
seja a sutileza do seu desenho de personagens e suas
relações, seja a sensação
constante de que o conjunto de personagens inserido
no seu contexto histórico ganha muito mais relevância
pelas delicadas relações estabelecidas
dentro do grupo do que individualmente teriam, é
anulado por uma estrutura dramática óbvia
que, em uma generalização necessária
para ser bem direto ao ponto, torna teatro russo em
cinema francês, no que de melhor o primeiro tenha
e de pior o segundo.
Não é sem atrativos, é verdade,
um filme que já começa com Ludivine Sagnier
nua em cena. De fato, neste ponto o filme tem uma interessante
semelhança com o trabalho de François
Ozon, Swimming Pool, que também usa claramente
a atriz e sua beleza como principal atrativo, seja publicitário
seja como centro de gravidade dos outros personagens.
Ambos vão lidar nos seus finais com as relações
possíveis entre vida e arte, e em ambos os casos
o filme de Ozon (que em si mesmo não é
nada demais) sai ganhando. Nele, tanto o uso de Sagnier
como emblema (aqui em Miller evidenciado pela troca
do título da peça original), como a discussão
entre realidade e ficção parecem melhor
encaminhadas, até mesmo pela diferença
entre as "pretensões artísticas" de Miller,
que constantemente engessam o filme, para uma sensação
muito mais "pulp" e irônica de si mesma no filme
de Ozon.
Miller acaba fazendo uma versão-light de A
Gaivota, onde personagens complexos são tornados
bonecos de uma nota só (especialmente aqui visto
no personagem de Julian, que torna a inadequação
do jovem artista em puros trejeitos de menino mimado),
e onde há uma sensação constante
de desinteresse dos próprios atores (encarnado
nos seus personagens) por abrir qualquer tipo de nova
vereda em torno de uma obra já eternizada pelo
teatro há tanto tempo. As novidades e atualizações,
por assim dizer (troca de teatro por cinema, etc), ficam
sempre no nível do epitelial, sem adicionar qualquer
profundidade temática ou de personagens. E quando,
no final, na cena do estúdio, o filme ameaça
ganhar algum interesse na discussão do artista
e seu uso/sublimação do real na arte,
já é tarde demais para a maioria dos espectadores.
Eduardo Valente
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