APENAS UM BEIJO
Ken Loach, Ae fond kiss, Inglaterra/Bélgica/Alemanha/Itália, 2003

“Você não tem nada a perder”, diz o belo paquistanês residente na Escócia à bela loira caucasiana com quem vive um amor proibido. Como que ouvindo isso e tentando contrariar o rapaz, a narrativa emenda essa cena com a seqüência em que a menina começa a ter alguma coisa a perder: ela precisa de um “certificado de bons modos” para ser efetivada em seu trabalho. Ele, Casim, é muçulmano e sua família vive sob um código familiar estrito; ela, Roisin, é católica e leciona música numa escola idem. Com Apenas um Beijo, Ken Loach faz seu Romeu e Julieta interracial. O problema, em todo caso, jaz alhures: na forma esquemática e previsível com a qual toda força ficcional de seus filmes acaba sendo achatada para caber na agenda político-social que o diretor quer discutir.

O filme começa até bem, com a leitura de uma redação de colégio que Tahara, irmã de Casim, lê em frente à turma. De origem paquistanesa, mas residente no ocidente e tendo cidadania inglesa, ela expressa em sua fala o conjunto de contradições e de identidades díspares que carrega. Depois, vemos como Casim e Roisin se conhecem, se apaixonam e começam um fervoroso e doce caso de amor. Ele, no entanto, está de casamento marcado com uma jovem paquistanesa que não sabe quem é. O choque de culturas se instala, as discussões começam, todos perdem as estribeiras, família, casal e amigos. Segundo as tradições, Casim jamais poderia se casar com uma goree, uma branca. Segundo as tradições, outras mas as mesmas, Roisin jamais poderia viver em pecado com um muçulmano. É nesse momento que Apenas um Beijo afunda para não mais voltar à tona: de um lado, a previsibilidade do encadeamento de situações instala o tédio; do outro, os ânimos se exaltam de forma frouxa e desajeitada.

Na cena clímax do filme, a família de Casim monta todo um teatrinho para que o rapaz apareça novamente em casa e, diante dos olhos de uma Roisin que permanece invisível à cena familiar (ela está no carro da irmã mais velha de Casim), seja apresentado à sua futura esposa paquistanesa. Ken Loach, no entanto, faz com seus espectadores o mesmo tipo de chantagem emocional que ele esboça criticar. O manuseio das situações dramáticas oprime o espectador, e a opção pela forma da tragédia fácil (a perda da família, a perda do emprego) nos parece impedir a possibilidade de posicionamento, quando na verdade sempre há de haver um: Casim não vai furar os olhos e sair andando pelo mundo, mas escolher a opção de sua individualidade e aceitar os problemas que isso acarreta. Já nos, espectadores, somos retidos pela magânima mão do diretor, que jamais nos dá a chance para que nos instalemos com liberdade no filme que estamos vendo.

Ruy Gardnier