ALEXANDRIA... NOVA YORK
Youssef Chahine, Alexandrie... New York, Egito/França/EUA, 2004

Alexandria...Nova York não contém apenas o deslocamento geográfico do idoso cineasta Yehia (Mahmoud Hemida) para a retrospectiva de sua obra na capital do mundo. Há, também, a jornada afetiva para encontrar o filho Alexander (Ahmed Yehia), bailarino de sucesso, bem como as lembranças do envolvimento amoroso que gerou este filho e da formação acadêmica do diretor em sua passagem anterior pelos EUA. A estas viagens, Youssef Chahine soma uma terceira: a procura pela afirmação do Outro – dos árabes, dos imigrantes, dos povos do terceiro mundo, do artista – através do confronto com a supremacia homogeneizante da cultura e da economia norte-americana. É na linha tênue entre a admiração e a negação, entre o pertencer e o não pertencer, entre excluir-se e ser excluído, que Chahine posiciona seu filme, a um só tempo esfuziante e melancólico.

Alexandria...Nova York, título que executa comparação histórica entre a mítica cidade de Alexandria, centro cultural da Antigüidade durante o apogeu do Império Egípcio, e Nova York, símbolo do poderio americano, que deseja se impor como referência da arte contemporânea, substituindo e tomando o lugar de sua longínqua antecessora. Como veículo desta dominação, teríamos o cinema hegemônico da indústria hollywoodiana, contestado por Yehia na coletiva de imprensa na mostra em sua homenagem, quando diz, categoricamente, que os filmes os quais realiza sempre tratam da questão do Outro, da alteridade, da diferença.

Alexandria...Nova York, no qual o mesmo ator (Ahmed Yehia) interpreta Alexander, no presente, e o jovem Yehia, no passado, ambos cindidos entre as duas realidades conflitantes das quais fazem parte sem, no entanto, integrarem-se: seres à margem, o primeiro convive com o fantasma do pai árabe, da origem egípcia, que o transforma forçosamente em estrangeiro dentro do próprio país em que nasceu – os EUA –, enquanto o segundo encampa a batalha a favor das vozes minoritárias, embora deva a construção de sua identidade artística e nacional à potência a que agora se opõe e que, paradoxalmente, presta-lhe homenagem. Yehia, que viveu antes da revolução e que conhece a alegria de viver, e Alexander, que habita a sociedade pós-utópica onde o sucesso a qualquer preço substitui os destroços das velhas ideologias: imagens em espelho um do outro, que apresentam a transição do sonho ao pesadelo americano, conforme expresso na belíssima fala em que o pai diferencia o romantismo do cinema clássico à brutalidade dos blockbusters atuais com Sylvester Stallone.

Alexandria...Nova York, quando duas estratégias de cinema se chocam: os filmes exportados pela indústria de Hollywood e aqueles produzidos localmente em resistência a ela. Para expô-las na tela, Chahine se vale de todos os clichês e dos gêneros cinematográficos consagrados, misturando trama folhetinesca, melodrama e musical, mas com energia e vitalidade feéricas de quem é apaixonado pelo cinema. Filme abusivo e excessivo, que explode as raias do kitsch rumo à cafonice pura, que conjuga ousados movimentos de câmera com visual e atuações anti-naturalistas para recuperar a magia primordial do meio, a inocência da época em que Méliès divertia as massas, nas feiras, com suas trucagens delirantes. Exemplo eloqüente da proposta do cineasta está na seqüência em que encena musical a partir de Carmem, de Bizet - unindo sonho, beleza, espetáculo, sem que tudo não passe de enorme pastiche bem humorado.

Alexandria...Nova York, que mostra a maior cidade do planeta inicialmente sempre com panorâmicas em vídeo, imagem feia, pobre, dessacralizante, para depois retornar à película quando desce às ruas, junto à população. Amor e ódio, fascínio e temor, exibidos na antológica seqüência na qual o grupo de formandos, do qual participa Yehia, canta a plenos pulmões “God Bless America”, única vez em que a língua inglesa é utilizada (mesmo nos EUA, a obra é falada em árabe, clara opção política de Chahine), cena completada com insuspeita coreografia de diplomas. Deixar-se seduzir pelo centro de poder, ou não, é a escolha que Yehia e Alexander devem realizar, e a qual os afasta em definitivo, cada um caminhando para lados opostos, pois, na guerra, as vítimas são sempre as relações afetivas que unem os homens.

Alexandria...Nova York, filme apaixonante, tanto em sua alegria, quanto em sua tristeza.

Paulo Ricardo de Almeida