Geno Tsaava é um homem místico.
Seus filmes (junto com 6 e 7 foi exibido um curta)
refletem essa misticidade, sem cair na carolice ou na
simples busca por imagens etéreas, que traduzam uma
simpatia pela New Age - representada hoje pelo canal
National Geographic ou pelo cinema de Kim Ki-Duk. São
episódios que versam sobre a luta do bem contra o mal,
e pela transcendência do espírito. Suas imagens são,
ora oníricas, representantes de um cinema que se aproxima
do surrealismo, ora de um embelezamento artístico que
o aprisiona em um formato perigoso de “filme para a
alma”.
Tsaava é claramente um diretor de talento, mas seu filme
arrisca tanto, brinca com tantas escolas cinematográficas,
que é difícil não ser irregular. Mas, mesmo errando
em vários momentos, 6 e 7 permanece na memória como um delirante caleidoscópio, imprevisível
e estranho, difícil de se escrever sobre. Em seus grandes
momentos (e não são poucos), quando deixa de lado as
brincadeiras com Meliès, tenta dialogar com a vanguarda
alemã dos anos 20, mais precisamente com os curtas de
Walter Ruttman e suas brincadeiras com o negativo. O
filme guarda ainda consideráveis semelhanças com as
experiências do cineasta russo Yevgeny Yufit, principalmente
na forma com a qual faz a junção entre a espiritualidade
e os planos oníricos e, na maior parte, bucólicos.
Que não se subestime, ainda, a capacidade do diretor
em surpreender pela sucessão de planos desconexos, e
até mesmo debochados. Assim, em determinado momento,
do plano de uma mulher dançando sensualmente, tomado
por uma porta espelhada que vai se abrindo, Tsaava corta
para um pé descalço masculino balançando como um rabo
de cachorro; abre o plano então, revelando um homem
que a aguarda ansiosamente na cama. Em outro momento,
e outro episódio, uma travessia é tomada por diversos
ângulos. Em um desses ângulos vemos de muito longe o
que parece ser um homem pegando fogo. Num dos planos
mais aproximados, percebemos que se trata de uma espécie
de campo de força que o homem tem para confrontar o
mal que o espera do outro lado da passagem, em um cenário
que parece retirado de uma pintura de Hyeronimus Bosch.
Vamos ao início, onde uma pedra gigantesca parece sambar
no mar, com o protagonista (ou pelo menos “o que mais
aparece no filme”) sendo confrontado poeticamente por
uma mulher: desde já percebemos que algo de muito estranho
virá. É a hora de se perguntar: mas o que que é isso?
E esse questionamento espontâneo produz ao mesmo tempo
um sentimento instigante, e de estar vendo algo engraçado,
que dura praticamente todo a projeção.
É instigante porque exige do espectador, além de um
conhecimento religioso prévio, preparação para o inusitado
e para o rompimento de um cânone de cinema europeu,
estabelecido nos anos 80, e que de vanguardista não
tem sequer um elemento. Trocando em miúdos: quem curtiu
o novo Bertolucci, com sua transgressão vendida por
quilo, dificilmente embarcará no filme de Tsaava. É
instigante também porque faz com que o espectador que
embarque em suas imagens vá procurar saber mais sobre
espiritismo, e sobre a Geórgia - república da extinta
União Soviética.
É levemente engraçado porque tem uma espécie de humor
a que não estamos habituados: frontal e corajoso, sem
medo do ridículo. Mesmo que esse seja um calcanhar de
Aquiles considerável, são inevitáveis alguns sorrisos.
Não é de provocar o riso, mas aquela sensação de cumplicidade
adquirida com um mínimo de vivência assistindo aos mais
diversos filmes. 6 e 7 é, portanto, uma iguaria destinada
a um público acostumado à bizarrices diversas. É seu
maior trunfo e sua maior limitação.
Sérgio Alpendre
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