6 E 7
Geno Tsaava, 6 da 7, Geórgia, 2004

Geno Tsaava é um homem místico. Seus filmes (junto com 6 e 7 foi exibido um curta) refletem essa misticidade, sem cair na carolice ou na simples busca por imagens etéreas, que traduzam uma simpatia pela New Age - representada hoje pelo canal National Geographic ou pelo cinema de Kim Ki-Duk. São episódios que versam sobre a luta do bem contra o mal, e pela transcendência do espírito. Suas imagens são, ora oníricas, representantes de um cinema que se aproxima do surrealismo, ora de um embelezamento artístico que o aprisiona em um formato perigoso de “filme para a alma”.

Tsaava é claramente um diretor de talento, mas seu filme arrisca tanto, brinca com tantas escolas cinematográficas, que é difícil não ser irregular. Mas, mesmo errando em vários momentos, 6 e 7 permanece na memória como um delirante caleidoscópio, imprevisível e estranho, difícil de se escrever sobre. Em seus grandes momentos (e não são poucos), quando deixa de lado as brincadeiras com Meliès, tenta dialogar com a vanguarda alemã dos anos 20, mais precisamente com os curtas de Walter Ruttman e suas brincadeiras com o negativo. O filme guarda ainda consideráveis semelhanças com as experiências do cineasta russo Yevgeny Yufit, principalmente na forma com a qual faz a junção entre a espiritualidade e os planos oníricos e, na maior parte, bucólicos.

Que não se subestime, ainda, a capacidade do diretor em surpreender pela sucessão de planos desconexos, e até mesmo debochados. Assim, em determinado momento, do plano de uma mulher dançando sensualmente, tomado por uma porta espelhada que vai se abrindo, Tsaava corta para um pé descalço masculino balançando como um rabo de cachorro; abre o plano então, revelando um homem que a aguarda ansiosamente na cama. Em outro momento, e outro episódio, uma travessia é tomada por diversos ângulos. Em um desses ângulos vemos de muito longe o que parece ser um homem pegando fogo. Num dos planos mais aproximados, percebemos que se trata de uma espécie de campo de força que o homem tem para confrontar o mal que o espera do outro lado da passagem, em um cenário que parece retirado de uma pintura de Hyeronimus Bosch.

Vamos ao início, onde uma pedra gigantesca parece sambar no mar, com o protagonista (ou pelo menos “o que mais aparece no filme”) sendo confrontado poeticamente por uma mulher: desde já percebemos que algo de muito estranho virá. É a hora de se perguntar: mas o que que é isso? E esse questionamento espontâneo produz ao mesmo tempo um sentimento instigante, e de estar vendo algo engraçado, que dura praticamente todo a projeção.

É instigante porque exige do espectador, além de um conhecimento religioso prévio, preparação para o inusitado e para o rompimento de um cânone de cinema europeu, estabelecido nos anos 80, e que de vanguardista não tem sequer um elemento. Trocando em miúdos: quem curtiu o novo Bertolucci, com sua transgressão vendida por quilo, dificilmente embarcará no filme de Tsaava. É instigante também porque faz com que o espectador que embarque em suas imagens vá procurar saber mais sobre espiritismo, e sobre a Geórgia - república da extinta União Soviética.

É levemente engraçado porque tem uma espécie de humor a que não estamos habituados: frontal e corajoso, sem medo do ridículo. Mesmo que esse seja um calcanhar de Aquiles considerável, são inevitáveis alguns sorrisos. Não é de provocar o riso, mas aquela sensação de cumplicidade adquirida com um mínimo de vivência assistindo aos mais diversos filmes. 6 e 7 é, portanto, uma iguaria destinada a um público acostumado à bizarrices diversas. É seu maior trunfo e sua maior limitação.

Sérgio Alpendre