QUESTIONÁRIOS SOBRE A CRIAÇÃO DA ANCINAV

Enviamos no dia 13/08 um curto questionário, abaixo transcrito, sobre as discussões em torno da minuta de projeto de Lei sobre o audiovisual brasileiro para uma série de nomes ligados ao cinema nacional. Abaixo publicamos as respostas que nos chegaram, esclarecendo que esta sessão terá atualização constante ao longo do mês, para que os realizadores que só tenham podido ter acesso/tempo de responder ao questionário após a entrada no ar da edição não deixem de ter o espaço para exposição de suas idéias. (Nota: não enviamos o questionário a realizadores que já expuseram suas idéias em artigos e/ou cartas abertas circuladas nestas semanas)

As perguntas

1) Você acha que há motivos para o Governo propor um projeto de lei de organização do audiovisual, ou os andamentos naturais atuais do setor estavam funcionando a contento? (não se pergunta aqui se este é o melhor projeto em si, e sim sobre a validade do Governo propor ALGUM projeto na atual conjuntura)

2) O projeto proposto afirma a importância estratégica do setor audiovisual para além das questões industriais e econômicas, principalmente por seu peso sócio-cultural de formação da identidade nacional. Afirma estar buscando com o projeto a garantia da "diversidade das fontes de informações" e da "competição efetiva", além da "vedação" ao estabelecimento de monopólios e oligopólios nesta área. Você acha pertinente a intervenção governamental através de regulação deste setor, seguindo estas justificativas - mais uma vez, não se pergunta ESTA intervenção DESTE Governo, e sim alguma intervenção do Governo?

3) Você já teve acesso direto ao projeto de lei divulgado? Se sim, que pontos qualificaria como os mais positivos e os mais problemáticos? (ex: criação da Ancinav, objetivos e funções desta, constituição das instâncias reguladoras do audiovisual, aplicação do Condecine, criação dos fundos de apoio, criação dos fundos de investimento, taxação sobre número de cópias de filmes, etc)

Eduardo Escorel - cineasta, montador, diretor de Lição de Amor, entre outros.

1. É lamentável que o Brasil ainda não tenha uma legislação consolidada em relação ao cinema, à televisão e aos meios audiovisuais de forma geral. As alterações períodicas têm um efeito negativo que realimenta a crise permanente do setor. É desejável, portanto, que sejam implantadas medidas que possam permanecer ao longo dos anos e que sofram apenas ajustes em função da dinâmica própria da atividade e da rápida evolução tecnológica que a caracteriza.

A verdade, porém, é que o lento processo de reconstrução legal e institucional, iniciado há cerca de dez anos, ainda não se completou. O projeto do GEDIC, no final do governo FHC, foi alterado de maneira drástica, pouco antes de ser aprovado, tendo ficado de fora a televisão que é essencial para que possa haver cinema no país.

Assim, apesar de ter apenas três anos de vida e de só ter, na verdade, começado a funcionar de fato há pouco mais de um ano, a ANCINE, por si só, não tem suporte jurídico para tratar da questão audiovisual como um todo. Além disso, e de vários outros aspectos, há a necessidade evidente de rediscutir o mecanismo de financiamento via incentivos fiscais e buscar, de fato, fontes de recursos que se originem na própria atividade e possam levar a um processo de acumulação, possibilitando novos investimentos, no setor.

2. O Estado tem, no meu entender, o dever de regular a atividade para assegurar sua viabilização, desde que considere que deva existir cinema e televisão nacionais em condições de competir, no mercado interno, com a produção importada em condições justas. Só o Estado tem condições de se contrapor às práticas oligopólicas e monopolistas.

3. Os pontos mais problemáticos e que devem, a meu ver, ser bem analisados são: (a) o encerramento das atividades da ANCINE. Isso poderá levar a uma nova paralisia do setor até que a nova agência comece a atuar. É uma ameaça que pode levar a uma nova crise do setor e deveria ser evitada reformulando a ANCINE, transformando-a em ANCINAV, sem provocar qualquer solução de continuidade em suas atividades; (b) todos os itens que possam ser interpretados como autorização para interferir no conteúdo e na forma da produção devem ser reavaliados; (c) o aparato burocrático a ser criado deve ter um limite de investimento no seu custeio inversamente proporcional aos recursos a serem destinados à atividade fim.

Reafirmo que, em linhas gerais, o projeto me parece excelente, tendo resultado, pelo que se deduz da leitura, de um árduo esforço de atender antigas reivindicações do cinema brasileiro. Acredito termos atingido um estágio do sistema democrático em que, nem o governo pretende, nem a sociedade aceita a imposição de projetos dessa natureza. Por sua extensão e complexidade é natural que haja falhas na formulação inicial. Por outro lado, pela variedade de aspectos de que trata, é perfeitamente compreensível que contrarie interesses. O essencial é saber se o rumo traçado parece benéfico para a atividade cinematográfica brasileira. A mim, parece que sim.


Jorge Furtado
- cineasta, roteirista, diretor de O Homem que Copiava, Ilha das Flores, entre outros

Não li o projeto de criação da Ancinav, até tentei. Entrei no site do Minc e o projeto, para consulta pública, está em pdf, não consegui abrir. Alô Hermano, alô Gil! PDF? Consulta popular tem que ser em txt! Pelo pouco que li, estou bem menos preocupado com a Ancinav e mais com o tal Conselho de Jornalismo. Lula não foi eleito para "orientar" o jornalismo, isto é perigoso. Prefiro que o jornalismo permaneça desorientado como está. Mas Lula foi eleito, sim para tentar distribuir melhor a riqueza (ainda somos o país de pior distribuição de renda no mundo). E vários pontos do projeto da Ancinav me parecem ter este sentido.

Acho que é o caso de baixar o tom da discussão, evitar adjetivos e discutir o projeto no detalhe. Como não li o texto, só o que posso dar são palpites. Acho o que todos queremos é o fortalecimento do cinema brasileiro, garantido a diversidade, que só existe com marcos regulatórios, e a qualidade, que só existe com a quantidade. Não podemos deixar que o público do cinema brasileiro, que chegou a 22 milhões, retroceda. Para isso, temos que analisar bem o projeto e pensar suas conseqüências práticas. Espero que estimule a produção, garanta a diversidade e evite distorções. O cinema brasileiro vive de dinheiro público (isenções ou taxas) e este dinheiro precisa ser bem utilizado. Não dá para captar 3 milhões para fazer filmes para 30 mil pessoas. Isso quando os filmes são lançados, porque o mais lucrativo é filmar e não lançar. (Mais lucrativo ainda, é nem filmar!) Se feitos com dinheiro público, filmes para poucos tem que custar pouco.

Em tempo: não sei se isto está no projeto ou não, mas não aceito nenhum tipo de ingerência do estado no conteúdo dos filmes. Não se trata de escolher adjetivos, mas de evitá-los. Quero ter o direito de fazer filmes contra a pátria, contra a família e contra os bons costumes. São os melhores filmes.


Fernando Meirelles
- cineasta, diretor de Cidade de Deus, entre outros

Acabei de chegar do Sudão, estou pegando esta discussão de orelhada e sinto que é melhor apenas ouvir e ficar quieto por enquanto.
Obrigado pela lembrança.


Giba Assis Brasil
- cineasta, montador, membro do Conselho Superior de Cinema

1- Perfeito. Essa é a primeira pergunta a ser feita. E eu não tenho dúvida em responder que sim. Porque a convergência entre cinema e televisão é cada vez maior no mundo todo. Porque a Anicne só não foi criada como Ancinav por falta de um projeto político claro para o setor por parte do governo anterior. Porque a veiculação de produtos audiovisuais nas novas mídias não está sujeita a nenhum tipo de regulação, e as próprias emissoras de TV já estão chamando atenção para isso há algum tempo. Do meu ponto de vista, o governo tem que ser cobrado, não por ter apresentado esse projeto à sociedade, mas por não tê-lo feito antes.

2- Sim, cabe ao governo governar. Faz parte do contrato social.

3- Sim, eu tive acesso ao anteprojeto. Faço parte do Conselho Superior de Cinema, e temos reunião marcada para o dia 23, quando começaremos a discuti-lo detalhadamente. Por isso, prefiro não adiantar minhas opiniões sobre pontos específicos.

Só queria chamar atenção pra uma coisa, que eu não vi ninguém dizer em todo esse debate na imprensa, bastante unilateral e, em alguns momentos, quase histérico.

O (lamentável) vazamento que aconteceu no dia 2 de agosto não foi de uma "lei secreta" que, se não tivesse vazado, cairia sobre a sociedade brasileira como um decreto ditatorial. Foi de um anteprojeto de lei que, antes de ser apresentado ao Congresso (só então como projeto de lei) seria apresentado para discussão no Conselho Superior de Cinema, onde os setores envolvidos estão razoavelmente representados. E tinha inclusive data marcada pra isso: 6 de agosto. O vazamento não tornou público algo que era pra ser secreto, mas algo que, de qualquer forma, seria tornado público 4 dias depois.


Silvio Da-Rin -documentarista, técnico de som, membro do Conselho Superior de Cinema

1- O projeto é absolutamente oportuno. Os meios audiovisuais vêm se multiplicando rápida e incessantemente, sem que exista qualquer instrumento de regulação dos conteúdos veiculados. Desde que o Concine foi irresponsavelmente extinto, em 1990, a atividade cinematográfica ficou carente de um órgão normativo e fiscalizador. Desde então, houve mudanças estruturais no parque exibidor, bem como o surgimento de mídias que são regulamentadas somente no que concerne aos aspectos físicos. A MP que criou a Ancine atendeu apenas parcialmente os pleitos dos diversos segmentos da atividade cinematográfica, encaminhados pelo CBC. O atual projeto vem não só recuperar aqueles objetivos descartados pelo governo FHC, como também contemplar novas necessidades do setor. A atual Ancine deve ter suas atribuições ampliadas, para fazer face a esta nova realidade. A Ancinav nada mais será do que a agência originariamente proposta, com algumas atualizações.

2- Este deve ser o ponto de partida de qualquer abordagem responsável do projeto apresentado pelo Governo: é necessário regular a circulação de conteúdos audiovisuais ou isto deve ser deixado ao sabor das leis de mercado? Minha resposta é positiva. Os bens simbólicos, sobretudo aqueles que circulam nos meios audiovisuais, são determinantes para a constituição da cidadania e do conceito de nação. Até por uma questão de soberania, o Estado deve dispor de instrumentos capazes de corrigir distorções que possam acarretar uma ocupação hegemônica e predatória dos meios audiovisuais por conteúdos estrangeiros. Não se trata de dirigir consciências ou de determinar as pautas dos veículos de comunicação, mas sim de garantir condições de isonomia competitiva para os conteúdos gerados em território nacional, fortalecendo este setor.

Se assumimos que a circulação de conteúdos deve ser regulada pelo Estado, é necessário discutir como isto será feito e criar os meios para isso. Os instrumentos agora propostos pelo Governo são conjugados e interdependentes. As novas responsabilidades do MinC, do CSC e da Ancinav são complementares e, para que a agência possa cumprir seu papel de coleta de informações, processamento dos dados, fiscalização e sanção, é preciso destinar recursos. No atual quadro econômico, determinado pela divida externa e os contingenciamentos daí decorrentes, estes recursos devem ser captados na própria atividade. Para isto é proposto um fundo, o Fiscinav. O fomento à produção cinematográfica e audiovisual brasileiras, que nos últimos anos dependeu quase exclusivamente dos incentivos fiscais, voltará a ser assumido como responsabilidade do Governo; e para isso cria-se o Funcinav, que gerencia 80% da receita da Condecine. Além disso, os incentivos fiscais são corrigidos e flexibilizados.

Mas, do mesmo modo como não se pode fazer ometele sem quebrar alguns ovos, ainda que as medidas agora propostas resgatem as propostas de nossos Congressos, não se pode esperar que o apoio ao projeto seja unânime. Reclamam principalmente aqueles que serão taxados para possa haver programas de fomento à produção e aparato fiscalizador da circulação. Reclamam também os proprietários dos meios que hoje veiculam o que querem, priorizando os produtos estrangeiros que já chegam aqui amortizados e por isso têm preços tão baixos. Mas, como bem disse um dos participantes do atual debate, discutir a mídia na própria mídia é algo complicado: os donos da mídia publicam o que lhes interessa, selecionam entrevistados e frequentemente distorcem opiniões. Mas os canais de mídia são uma concessão pública e não é razoável permitir que as razões privadas dos detentores destes veículos venham se superpor a políticas públicas, sob pena da sociedade tornar-se refém de um quarto poder que não aceita nenhuma forma de regulamentação.

O Governo errou redondamente no encaminhamento do projeto. O razoável teria sido a convocação regular e periódica do CSC, desde sua posse em fevereiro último, para discutir inicialmente as bases conceituais e, gradualmente, as medidas capazes de implementar as políticas propostas. A sociedade organizada teria feito suas contribuições, através das entidades representativas dos diversos segmentos da atividade audiovisual. Concluída uma primeira versão do texto, este seria submetido a uma consulta pública para então, consolidado, seguir para o Congresso Nacional. Ao passar mais de um ano elaborando um texto entre quatro paredes e apresenta-lo tardiamente, na mesma semana em que veio a público o projeto do Conselho Federal de Jornalismo, o Governo permitiu um ataque maciço e altamente tendencioso à Ancinav, com a criação de uma predisposição negativa por parte de amplos setores da opinião pública. Agora, é correr atrás do prejuízo.


Carlos Reichenbach - cineasta, diretor de Garotas do ABC, Anjos do Arrabaldes, entre outros

Caros,
eu só não respondo:

1. Por absoluta falta de tempo (estou tentando terminar meu projeto de documentário de baixo-orçamento).

2. Não acompanhei a discussão com a devida atenção para emitir julgamento que eu assine em baixo e/ou às cegas.

3. Sinto que é preciso atuar energicamente nessa terra de ninguém que é o universo audiovisual brasileiro; acho que qualquer forma de apoio do Estado, financeiro/logístico, à produção de filmes ou qualquer ou tipo de audiovisual independente (eu disse: independente) no país é essencial; agora, permitir ao Estado intervir no conteúdo, isso não dá pé mesmo!