Uma
excelente maneira de começar a compreender Os
Sete Samurais é assistindo ao trailer do
filme, que vem como bônus no DVD lançado
pela Continental. Curiosamente, contrariando toda a
lógica do trailer convencional (contar o ponto
de partida do filme e deixar o espectador com água
na boca para conhecer o resto), uma das primeiras imagens
deste consiste na última imagem do filme: os
túmulos dos quatro samurais mortos durante a
batalha travada ao longo do que é considerado
o correlato de Kurosawa para o western americano.
O narrador do trailer informa em off que os três
samurais sobreviventes nunca mais foram vistos, mas
permaneceram na memória dos moradores daquele
vilarejo em que combateram não por ambição,
e sim para fazer justiça, proteger o povo da
delinqüência dos bandidos exploradores. Os
quatro túmulos dos samurais abatidos, rondados
pela poeira levantada pelo vento, e as flores ao redor
das casas simbolizando a paz restabelecida constituem
o início deste trailer composto de forma interessante,
uma vez que mostra aquilo que corresponde, no tempo
diegético, ao momento posterior ao final do filme.
A narração do trailer, embora não
pertença ao filme, entrega o seu grande mote,
que é contar uma história do ponto de
vista de quem, por mais que alcance um determinado objetivo,
não se considera vencedor. A História
tem uma propensão natural a servir de palco para
os vencedores, e o que está em discussão
em Os Sete Samurais não é necessariamente
essa escolha, mas antes o que exatamente faz um lado
poder se considerar vitorioso, enquanto o outro lamenta
a miséria.
Se estudamos as revoluções burguesas do
século XVIII, é para conhecer a "evolução"
que elas representaram para a nossa civilização,
ouvindo o discurso da classe triunfante. Os samurais
de Kurosawa são vitoriosos dentro do esquema
de ação do filme, porém Kanbei,
o mais velho e líder do grupo, termina o filme
dizendo para Shichiroji, outro resistente samurai, que
novamente foram derrotados, pois quem venceu verdadeiramente
foram os lavradores a que prestaram ajuda. Vitoriosos
na batalha contra os bandidos, mas perdedores na luta
contra o tempo e a história, que novamente os
atropelará: assim acabam os três samurais
que sobrevivem. O último plano do filme realiza
uma panorâmica dos corpos de Kanbei e Shichiroji
em direção aos túmulos dos companheiros
mortos. Antes disso Shino, o mais novo, havia saído
de quadro em busca de sua jovem amante, que lhe ignora
e se junta aos demais lavradores, entregando-se a danças
e cantorias que acompanham a colheita. Nesse sentido
de relativizar a história e elevar uma voz que
se assume vencida, Os Sete Samurais tem algo
em comum com a obra-prima A Inglesa e o Duque,
de Éric Rohmer, filme que concentra a narrativa
em torno da nobreza degolada durante a Revolução
Francesa. (São dois filmes feitos de forma completamente
diferente, e com motivações diferentes,
mas que coincidem ao afirmar que a história é
um conjunto caótico de forças divergentes,
e não uma reta governada por fatores lógicos,
ou muito menos por justiça.) A historiografia
não tem por hábito destinar-se ao registro
dos vencidos, e o anseio de Kurosawa não é
reparar essa "parcialidade" (já que
seu filme é perfeitamente parcial em mostrar
o exército formado por samurais e camponeses
em combate ao outro, os bandidos) – seu questionamento
é quanto ao valor do sangue derramado. Seus heróis
não lutam em nome de si mesmos, e talvez por
isso tenham sido incorporados à ambigüidade
personalística do herói do western,
o nômade que age segundo códigos próprios,
individualista até o fim do mundo, mas auxiliador
na manutenção da ordem dentro das cidades
– locais de assentamento e coletividade.
Os Sete Samurais é um daqueles raros filmes
em que mais de três horas de duração
são sentidas como um raio que passa deixando
saudades já na subida dos créditos finais.
Sentimento de passagem muito afeito ao que impregna
os rostos de Kanbei, Shichiroji e Shino na já
citada última cena. A tristeza dos três
samurais e a alegria dos lavradores: é com essa
oposição radical que Kurosawa marca esse
e outros finais ao longo da sua carreira. Céu
e inferno, sempre. Há constantemente um jogo
de extremos, como nas posições, por exemplo,
de Kyuzo, samurai calado e ultra-habilidoso, e Kikuchyio
(Toshiro Mifune), galhofeiro e extravagante, alívio
cômico em muitas cenas. Fica clara a relação
de atração-repulsão entre esses
pólos: o filme deixa bem marcada a diferença
de estilos entre Kikuchyio e Kyuzo, mas quando morre
o segundo, o primeiro sai enfurecido em busca do culpado,
o que resultará também na sua morte.
O que interessa a Kurosawa não são as
honrarias nem as recompensas materiais, mas sim o espírito
de companhia alimentado dentro do grupo. Companhia que
não depende de intimidade nem de admiração;
simplesmente nasce de uma contigüidade quase física
entre os corpos, como uma amizade de escola que cresce
menos pelas afinidades entre as pessoas do que pela
convivência diária. Um elogio do companheirismo
na sua dimensão radical, que se dá pela
força da presença. Quando Kikuchyio toma
uma atitude individualista e abandona seu posto, voltando
em posse de uma arma de fogo, Kanbei o repreende severamente
– e olha que do ponto de vista militar sua atitude tinha
sido das mais bem sucedidas. Não importa se houve
vitória estratégica na ação
de Kikuchyio, pois ele feriu a ética do trabalho
em grupo e ponto final. O mesmo Kikuchyio, contudo,
se mostra sempre solidário e se sacrifica para
ajudar alguém que se ache em perigo. Os Sete
Samurais é um épico da camaradagem.
Numa obra que deve ter gerado horas e horas de material
filmado, a direção de Kurosawa é
um esforço permanente para sublinhar a importância
(estética, social) do conjunto.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
(VHS Tocantins; DVD Continental)
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