OS FILHOS DO ÚLTIMO JARDIM
Jorge Sanjinés, Los Hijos del Ultimo Jardín,
Bolívia, 2004

Os Filhos do Último Jardim se configura dentro da obra de Jorge Sanjinés como a continuação de uma nova orientação em relação ao público – destinatário já iniciada em seu filme anterior Para Recibir el canto de los pájaros . Se no seu percurso de Ukamau á La nácion clandestina o realizador estava efetivando uma série de experimentações a fim de se chegar á um cinema andino, a partir de Para recibir... procurará mostrar para o público da cidade, a minoria branco-mestiça que povoa os centros urbanos bolivianos, a força e os ensinamentos de uma cultura da qual o mesmo desconhece e despreza. Utilizando as concepções de mundo do povo andino e a considerando superior em comparação á ocidental, Sanjinés não ignora o aprendizado e a experiência que acumulou em seu ofício de cineasta – intermediário das comunidades marginalizadas de seu país. Agora, ele não mais precisa transpor para o cinema e adequar á linguagem cinematográfica a cosmologia andina - esse feito atingiu seu grau máximo de sofisticação em La nácion clandestina – e sim substituir as comunidades camponesas pelas populações urbanas como o principal destinatário de seus filmes para assim lançar luz na ignorância e arrogância desse estrato da população.

É preciso mostrar para as sociedades contemporâneas marcadas pelo artificialismo e pelo culto desenfreado ao individualismo o funcionamento de uma outra cultura, onde a cooperação mútua e o respeito incondicional ao outro são dominantes. Em Os Filhos do Último Jardim o espectador desejado é mais especifico, não é apenas o branco-mestiço urbano que se deseja atingir e sim ele quando jovem. A juventude, principal ferramenta de transformação de uma sociedade que está por vir, necessita conhecer outros valores e outros caminhos para poder escolher qual pretende seguir. As atuais sociedades através de seu devastador poder midiático cultuam o individualismo como totem sagrado e inviolável. O jovem, mais que qualquer outra faixa-etária, é o que mais sofre a ação da mídia e é o que está mais propenso a sair à caça do que ela oferece: valores alcançados através da aquisição de seus produtos. A mídia e a publicidade são apenas ferramentas coerentes ao artificialismo e ao vazio da cultura burguesa e ocidental. Como ir contra a essa tempestade imagética dominante? Adotando a sua mesma linguagem? Certamente que não.

É claro que para atrair o jovem urbano de 2004 é preciso que ele se familiarize com o que está vendo, que o filme apresente códigos referentes ao seu universo. Mas para isso acontecer não é necessário adotar recursos dramático-narrativos que são congruentes com os valores que se deseja combater. Assim, Sanjinés transplanta para o seu último filme recursos formais de seu cinema andino. Como ser contra o individualismo adotando o personagem protagonista? Como ser contra a dinâmica e ao fluxo de nossas sociedades utilizando a sua mesma concepção temporal? Forma e conteúdo são para Sanjinés elementos inseparáveis. A cultura andina é o modelo a ser seguido e o público só poderá assimilar os seus valores se esses forem expressos pela forma adequada.

Apesar de termos um personagem destacado, o conflito central do filme não gira em seu redor e sim de seu grupo. Em Para recibir el canto de los pájaros assistimos a história se centrar no drama experimentado por uma equipe de filmagem e a lição que esta sofre em seu desfecho, aqui também vemos o foco de atenção se direcionar não para uma intriga feita para envolver o espectador e sim para a motivação dos personagens frente –a uma especifica situação.

Essa situação é o atual quadro político-economico da Bolívia que em alguns pontos não é muito diferente do de sua História: instabilidade, políticos corruptos, conflitos sociais. Enquanto que para Fernando essa realidade lhe causa inquietação e tormento, para outros três componentes de seu grupo ela somente ativa motivações relacionadas ao campo individual. Eles não se preocupam com a pobreza e a miséria que assola o país e sim em que poderão fazer para suprirem a falta de dinheiro em seus bolsos. A solução encontrada foi o roubo. No entanto Fernando, que almeja transformar a realidade, mas que não encontra nenhuma possibilidade para tal, enxerga no mesmo artifício utilizado pelos colegas a forma de articular uma pequena mas importante alteração na ordem estabelecida de seu país: o roubo, porém um roubo segundo suas idéias, justificado e honesto. Fernando pensa em fazer uma pequena modificação na distribuição de renda boliviana roubando um senador corrupto e dando o dinheiro á uma comunidade carente. Ele pensa no outro, se preocupa com os desfavorecidos mas esquece de olhar para a sua família. Voltando o olhar para o coletivo, Fernando esqueceu de notar o grupo que está mais próximo. O filme deseja nos mostrar didaticamente que é fundamental nos olharmos como representantes de um grupo maior, seja ele nossa família ou o nosso país, e não somente como indivíduos isolados.

Demasiadamente moral em seu desfecho: Fernando e seu grupo ficam sem o dinheiro perdendo-o para um outro ladrão, os desonestos do grupo são presos e um político caricato permanece realizando as suas falcatruas. Porém essa saída não chega a se constituir uma restrição porque ele se ajusta perfeitamente ao seu fim didático. O didatismo em exagero pode muitas vezes ser simplista e redutor,porém esse é o risco a ser enfrentado quando se objetiva fazer do cinema um agente transformador.


Estevão Garcia