Os
Filhos do Último Jardim se configura dentro
da obra de Jorge Sanjinés como a continuação
de uma nova orientação em relação
ao público – destinatário já iniciada
em seu filme anterior Para Recibir el canto de los
pájaros . Se no seu percurso de Ukamau
á La nácion clandestina o realizador
estava efetivando uma série de experimentações
a fim de se chegar á um cinema andino, a partir
de Para recibir... procurará mostrar para
o público da cidade, a minoria branco-mestiça
que povoa os centros urbanos bolivianos, a força
e os ensinamentos de uma cultura da qual o mesmo desconhece
e despreza. Utilizando as concepções de
mundo do povo andino e a considerando superior em comparação
á ocidental, Sanjinés não ignora
o aprendizado e a experiência que acumulou em
seu ofício de cineasta – intermediário
das comunidades marginalizadas de seu país. Agora,
ele não mais precisa transpor para o cinema e
adequar á linguagem cinematográfica a
cosmologia andina - esse feito atingiu seu grau máximo
de sofisticação em La nácion
clandestina – e sim substituir as comunidades camponesas
pelas populações urbanas como o principal
destinatário de seus filmes para assim lançar
luz na ignorância e arrogância desse estrato
da população.
É preciso mostrar para as sociedades contemporâneas
marcadas pelo artificialismo e pelo culto desenfreado
ao individualismo o funcionamento de uma outra cultura,
onde a cooperação mútua e o respeito
incondicional ao outro são dominantes. Em Os
Filhos do Último Jardim o espectador desejado
é mais especifico, não é apenas
o branco-mestiço urbano que se deseja atingir
e sim ele quando jovem. A juventude, principal ferramenta
de transformação de uma sociedade que
está por vir, necessita conhecer outros valores
e outros caminhos para poder escolher qual pretende
seguir. As atuais sociedades através de seu devastador
poder midiático cultuam o individualismo como
totem sagrado e inviolável. O jovem, mais que
qualquer outra faixa-etária, é o que mais
sofre a ação da mídia e é
o que está mais propenso a sair à caça
do que ela oferece: valores alcançados através
da aquisição de seus produtos. A mídia
e a publicidade são apenas ferramentas coerentes
ao artificialismo e ao vazio da cultura burguesa e ocidental.
Como ir contra a essa tempestade imagética dominante?
Adotando a sua mesma linguagem? Certamente que não.
É claro que para atrair o jovem urbano de 2004
é preciso que ele se familiarize com o que está
vendo, que o filme apresente códigos referentes
ao seu universo. Mas para isso acontecer não
é necessário adotar recursos dramático-narrativos
que são congruentes com os valores que se deseja
combater. Assim, Sanjinés transplanta para o
seu último filme recursos formais de seu cinema
andino. Como ser contra o individualismo adotando o
personagem protagonista? Como ser contra a dinâmica
e ao fluxo de nossas sociedades utilizando a sua mesma
concepção temporal? Forma e conteúdo
são para Sanjinés elementos inseparáveis.
A cultura andina é o modelo a ser seguido e o
público só poderá assimilar os
seus valores se esses forem expressos pela forma adequada.
Apesar de termos um personagem destacado, o conflito
central do filme não gira em seu redor e sim
de seu grupo. Em Para recibir el canto de los pájaros
assistimos a história se centrar no drama experimentado
por uma equipe de filmagem e a lição que
esta sofre em seu desfecho, aqui também vemos
o foco de atenção se direcionar não
para uma intriga feita para envolver o espectador e
sim para a motivação dos personagens frente
–a uma especifica situação.
Essa situação é o atual quadro
político-economico da Bolívia que em alguns
pontos não é muito diferente do de sua
História: instabilidade, políticos corruptos,
conflitos sociais. Enquanto que para Fernando essa realidade
lhe causa inquietação e tormento, para
outros três componentes de seu grupo ela somente
ativa motivações relacionadas ao campo
individual. Eles não se preocupam com a pobreza
e a miséria que assola o país e sim em
que poderão fazer para suprirem a falta de dinheiro
em seus bolsos. A solução encontrada foi
o roubo. No entanto Fernando, que almeja transformar
a realidade, mas que não encontra nenhuma possibilidade
para tal, enxerga no mesmo artifício utilizado
pelos colegas a forma de articular uma pequena mas importante
alteração na ordem estabelecida de seu
país: o roubo, porém um roubo segundo
suas idéias, justificado e honesto. Fernando
pensa em fazer uma pequena modificação
na distribuição de renda boliviana roubando
um senador corrupto e dando o dinheiro á uma
comunidade carente. Ele pensa no outro, se preocupa
com os desfavorecidos mas esquece de olhar para a sua
família. Voltando o olhar para o coletivo, Fernando
esqueceu de notar o grupo que está mais próximo.
O filme deseja nos mostrar didaticamente que é
fundamental nos olharmos como representantes de um grupo
maior, seja ele nossa família ou o nosso país,
e não somente como indivíduos isolados.
Demasiadamente moral em seu desfecho: Fernando e seu
grupo ficam sem o dinheiro perdendo-o para um outro
ladrão, os desonestos do grupo são presos
e um político caricato permanece realizando as
suas falcatruas. Porém essa saída não
chega a se constituir uma restrição porque
ele se ajusta perfeitamente ao seu fim didático.
O didatismo em exagero pode muitas vezes ser simplista
e redutor,porém esse é o risco a ser enfrentado
quando se objetiva fazer do cinema um agente transformador.
Estevão Garcia
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