HISTÓRIAS DE COZINHA
Bent Hamer, Salmer fra hjokkenet, Suécia/Noruega, 2003

No início, um certo surrealismo "light" domina Histórias de Cozinha, em muito ajudado pelas paisagens em si pouco reais do interior da Noruega e da reconstituição farsesca de algo que realmente existiu, o tal HFI, instituto voltado para modernizar os hábitos e equipamentos domésticos. Este ambiente de um pretenso modernismo (que o "filme dentro do filme" logo do início capta muito bem) aplicado a uma vida simplória, deste choque entre expectativas de vida, funciona durante um certo tempo, regendo comicamente as estranhas relações humanas, o que nos relembra o melhor do bastante estranho (aqui usado como elogio) filme de estréia de Hamer, Ovos. A utilização do espaço físico da cozinha (e da maravilhosa idéia da "cadeira de observação") e a atuação dos atores criam uma mistura de uma comédia física com a ajuda do emprego dos chamados tempos mortos, com muita felicidade em algumas das gags.

No entanto, infelizmente na medida em que a história evolui (ou melhor, deixa de evoluir), Hamer cai refém de uma lógica bastante óbvia e redutora, dos estranhos aprendendo a conviver nas situações mais extremas, numa chave de um certo pieguismo supostamente humanista, do qual não mais sairá. O filme perde seu humor por vezes cáustico do início, em troca do sentimentalismo mais direto, e com isso perde o diferencial de estranheza que apresentava. Mantém o eventual interesse por esta ou aquela cena (Hamer tem um olho bastante bom para enquadramentos e movimentação dentro do quadro), mas no geral o filme vai murchando e murchando, até um final bastante chocho. Pena, mas o pior é pensar que o sucesso do modelo (que era mais do que esperado) pode fazer Hamer migrar de vez do primeiro filme e seu universo peculiar para uma lógica narrativa bastante batida (e por isso mesmo bem sucedida comercialmente).

Eduardo Valente