No início, um certo surrealismo
"light" domina Histórias de Cozinha, em
muito ajudado pelas paisagens em si pouco reais do interior
da Noruega e da reconstituição farsesca
de algo que realmente existiu, o tal HFI, instituto
voltado para modernizar os hábitos e equipamentos
domésticos. Este ambiente de um pretenso modernismo
(que o "filme dentro do filme" logo do início
capta muito bem) aplicado a uma vida simplória,
deste choque entre expectativas de vida, funciona durante
um certo tempo, regendo comicamente as estranhas relações
humanas, o que nos relembra o melhor do bastante estranho
(aqui usado como elogio) filme de estréia de
Hamer, Ovos. A utilização do espaço
físico da cozinha (e da maravilhosa idéia
da "cadeira de observação") e a atuação
dos atores criam uma mistura de uma comédia física
com a ajuda do emprego dos chamados tempos mortos, com
muita felicidade em algumas das gags.
No entanto, infelizmente na medida em que a história
evolui (ou melhor, deixa de evoluir), Hamer cai refém
de uma lógica bastante óbvia e redutora,
dos estranhos aprendendo a conviver nas situações
mais extremas, numa chave de um certo pieguismo supostamente
humanista, do qual não mais sairá. O filme
perde seu humor por vezes cáustico do início,
em troca do sentimentalismo mais direto, e com isso
perde o diferencial de estranheza que apresentava. Mantém
o eventual interesse por esta ou aquela cena (Hamer
tem um olho bastante bom para enquadramentos e movimentação
dentro do quadro), mas no geral o filme vai murchando
e murchando, até um final bastante chocho. Pena,
mas o pior é pensar que o sucesso do modelo (que
era mais do que esperado) pode fazer Hamer migrar de
vez do primeiro filme e seu universo peculiar para uma
lógica narrativa bastante batida (e por isso
mesmo bem sucedida comercialmente).
Eduardo Valente
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