DAISY MILLER
Peter Bogdanovich, Daisy Miller, EUA, 1974

Peter Bogdanovich nunca teve a queda pelo barroco que de certa forma identifica a maior parte dos cineastas americanos da sua geração. Scorsese, Cimino ou Coppola queriam ser Visconti, enquanto Bogdanovich sempre pareceu mais disposto a ser um John Ford. Mesmo a cena mais trabalhada dos seus primeiros filmes: a perseguição ao final de Esta Pequena É uma Parada (um perfeito e ultra-elaborado curta de comédia muda de uns 20 minutos dentro de um longa) é de uma enorme simplicidade comparada a praticamente qualquer cena de um Apocalypse Now. Como este gosto pelo barroco se tornou de praxe aquilo que se tem em mente por bom cinema americano, como a sua sensibilidade era muito européia para desenvolver um pragmatismo à Hawks (que é o que permite o desenvolvimento da obra de um Carpenter ou Eastwood), e sendo por demais um sujeito da indústria para um cineasta efetivamente independente, ele conseqüentemente sumiu (e seus filmes saíram de circulação junto). Ele não pertence a nenhum desses espaços. Curiosamente, é exatamente por isso que ele primeiro se interessou por filmar a novela de Henry James sobre uma jovem e atrevida americana de férias pela Europa, e como ela é vista por um expatriado que passara a vida toda lá. Impressionara-o a forma como o narrador não pertencia a lugar nenhum, o que o filme contrapõe com um perfeito senso de lugar via um cuidadoso trabalho de conseguir as mesmas locações em que a história se passa, até o plano final em que o diretor termina por isolá-lo e sentimos que ele, pela primeira vez, percebe a falta de controle que na verdade tem deste mundo.

O filme se chama Daisy Miller e a câmera de Bogdanovich está sem dúvidas apaixonada pela sua então esposa Cybil Shepard, que interpreta a protagonista. Mas o filme não é sobre ela, o que aponta para outra razão pela qual o cineasta provavelmente se interessou pelo material. Bogdanovich desde Na Mira da Morte (1968) se revelou um mestre em trabalhar com o plano subjetivo, muitos dos melhores momentos do seu cinema constituindo-se de pouco mais do que um personagem a olhar para outro. Daisy Miller é a história de como um homem olha para uma mulher. Mesmo os planos objetivos são usados por Bogdanovich de forma a enfatizar que tudo ali está sendo filtrado pela percepção de Winterbourne. Podemos intuir a inocência de Daisy já que Bogdanovich nos permite ver o olhar (e o julgamento) de Winterbourne, mas também a possibilidade de ver tudo por nós mesmos. Daisy Miller é uma tragédia de desencontro e má interpretação. Numa das cenas chave (a última oportunidade de Winterbourne de entender o que está se passando), Daisy canta alegremente uma canção triste sem qualquer conhecimento do significado dela.

A primeira parte do filme é um perfeitamente realizado encontro romântico concluindo com uma seqüência num castelo suíço, onde Winterbourne revela que está viajando no dia seguinte e Daisy reage indignada. Ele não entende o porquê, e isto ira assombrar todo o resto do filme passado em Roma. Nostalgia é um forte sentimento nos filmes de Bogdanovich, de certa forma é justamente o que o levou à popularidade no início da carreira. O que ocorre na hora final de Daisy Miller, que eleva o filme bem à frente de seus trabalhos anteriores, é a forma como ele transforma esta sua tendência em uma espécie de agridoce imagem-pretérito onde tudo que ocorre dentro do quadro se revela marcado por toda uma história que acontecera antes, e todas as possibilidades que poderiam ter sido. Ele de certa forma ensaiara este efeito, mas não o colocara em prática, em A Última Sessão de Cinema (1971), e aperfeiçoaria depois em seu melhor filme: Muito Riso e Muita Alegria (1981). Mas aqui ele já se mostra mais do que maturado e eficiente. Esta imagem sugere algo do tom elegíaco que alguns filmes históricos de Ford possuíam, mas com foco voltado não para a História e os lugares, e sim para os sentimentos. Com Daisy Miller, Bogdanovich termina por achar um centro dentro do seu cinema; seus filmes mais fracos a partir dali serão aqueles que se valem de mera nostalgia por si mesma (No Mundo do Cinema, Ilegalmente Sua) e os melhores serão justamente onde ele vai conseguir colocar sua relação com o passado dentro da imagem (Muito Riso, Texasville).

Filipe Furtado


(DVD Paramount)