Peter Bogdanovich nunca teve a queda pelo barroco que
de certa forma identifica a maior parte dos cineastas
americanos da sua geração. Scorsese, Cimino
ou Coppola queriam ser Visconti, enquanto Bogdanovich
sempre pareceu mais disposto a ser um John Ford. Mesmo
a cena mais trabalhada dos seus primeiros filmes: a
perseguição ao final de Esta Pequena
É uma Parada (um perfeito e ultra-elaborado
curta de comédia muda de uns 20 minutos dentro
de um longa) é de uma enorme simplicidade comparada
a praticamente qualquer cena de um Apocalypse Now.
Como este gosto pelo barroco se tornou de praxe aquilo
que se tem em mente por bom cinema americano, como a
sua sensibilidade era muito européia para desenvolver
um pragmatismo à Hawks (que é o que permite
o desenvolvimento da obra de um Carpenter ou Eastwood),
e sendo por demais um sujeito da indústria para
um cineasta efetivamente independente, ele conseqüentemente
sumiu (e seus filmes saíram de circulação
junto). Ele não pertence a nenhum desses espaços.
Curiosamente, é exatamente por isso que ele primeiro
se interessou por filmar a novela de Henry James sobre
uma jovem e atrevida americana de férias pela
Europa, e como ela é vista por um expatriado
que passara a vida toda lá. Impressionara-o a
forma como o narrador não pertencia a lugar nenhum,
o que o filme contrapõe com um perfeito senso
de lugar via um cuidadoso trabalho de conseguir as mesmas
locações em que a história se passa,
até o plano final em que o diretor termina por
isolá-lo e sentimos que ele, pela primeira vez,
percebe a falta de controle que na verdade tem deste
mundo.
O filme se chama Daisy Miller e a câmera
de Bogdanovich está sem dúvidas apaixonada
pela sua então esposa Cybil Shepard, que interpreta
a protagonista. Mas o filme não é sobre
ela, o que aponta para outra razão pela qual
o cineasta provavelmente se interessou pelo material.
Bogdanovich desde Na Mira da Morte (1968) se
revelou um mestre em trabalhar com o plano subjetivo,
muitos dos melhores momentos do seu cinema constituindo-se
de pouco mais do que um personagem a olhar para outro.
Daisy Miller é a história de como
um homem olha para uma mulher. Mesmo os planos objetivos
são usados por Bogdanovich de forma a enfatizar
que tudo ali está sendo filtrado pela percepção
de Winterbourne. Podemos intuir a inocência de
Daisy já que Bogdanovich nos permite ver o olhar
(e o julgamento) de Winterbourne, mas também
a possibilidade de ver tudo por nós mesmos. Daisy
Miller é uma tragédia de desencontro
e má interpretação. Numa das cenas
chave (a última oportunidade de Winterbourne
de entender o que está se passando), Daisy canta
alegremente uma canção triste sem qualquer
conhecimento do significado dela.
A primeira parte do filme é um perfeitamente
realizado encontro romântico concluindo com uma
seqüência num castelo suíço,
onde Winterbourne revela que está viajando no
dia seguinte e Daisy reage indignada. Ele não
entende o porquê, e isto ira assombrar todo o
resto do filme passado em Roma. Nostalgia é um
forte sentimento nos filmes de Bogdanovich, de certa
forma é justamente o que o levou à popularidade
no início da carreira. O que ocorre na hora final
de Daisy Miller, que eleva o filme bem à frente
de seus trabalhos anteriores, é a forma como
ele transforma esta sua tendência em uma espécie
de agridoce imagem-pretérito onde tudo que ocorre
dentro do quadro se revela marcado por toda uma história
que acontecera antes, e todas as possibilidades que
poderiam ter sido. Ele de certa forma ensaiara este
efeito, mas não o colocara em prática,
em A Última Sessão de Cinema
(1971), e aperfeiçoaria depois em seu melhor
filme: Muito Riso e Muita Alegria (1981). Mas
aqui ele já se mostra mais do que maturado e
eficiente. Esta imagem sugere algo do tom elegíaco
que alguns filmes históricos de Ford possuíam,
mas com foco voltado não para a História
e os lugares, e sim para os sentimentos. Com Daisy
Miller, Bogdanovich termina por achar um centro
dentro do seu cinema; seus filmes mais fracos a partir
dali serão aqueles que se valem de mera nostalgia
por si mesma (No Mundo do Cinema, Ilegalmente
Sua) e os melhores serão justamente onde
ele vai conseguir colocar sua relação
com o passado dentro da imagem (Muito Riso, Texasville).
Filipe Furtado
(DVD Paramount)
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