Justa
e compreensivelmente, A Fortaleza Escondida foi
um estrondoso sucesso de bilheteria no Japão,
quando
de seu lançamento, em 1958. Após uma série
de filmes
densos (Anatomia do Medo, Trono Manchado de
Sangue,
Ralé), Kurosawa parece ter se permitido
uma espécie de
pausa para respirar, realizando um divertissement,
projeto de características comerciais. Um pouco
dentro
da lógica pertinente a alguns cineastas americanos,
que alternavam trabalhos de cunho mais autoral com
outros que se mostrassem mais lucrativos para o
estúdio.
O resultado final de A Fortaleza Escondida corresponde
plenamente a tudo o que mais se espera de uma fita de
entretenimento, passando a impressão de que todos
os
envolvidos estariam também se divertindo ao fazer
o
filme, sensação que também perpassa
ao assistirmos
filmes posteriores, como Hatari! de Howard Hawks
ou
Aventureiro do Pacífico de John Ford.
Principalmente
tendo em conta, em todos os filmes em questão,
que o
fato desses se tratarem de aventuras cômicas não
implica que seus diretores os encarassem como obras
menores. Muito pelo contrário. Em A Fortaleza
Escondida, apesar das declaradas condições
de
improviso nas quais o roteiro foi desenvolvido –
conta-se que, durante as filmagens, Kurosawa volta e
meia solicitava aos roteiristas que criassem novas
situações de perigo para os personagens
– o que se vê
na tela é um filme com planos e seqüências
extremamente bem concebidos e construídos, como
se faz
usual no que poderíamos chamar de "padrão
Kurosawa".
Aqui o diretor aproveita para, pela primeira vez,
exercitar-se num formato de tela larga – o Tohoscope,
correspondente japonês ao Cinemascope – e consegue
ocupar e explorar perfeitamente o espaço de
enquadramento. Haja visto, por exemplo, a cena, no
início do filme, em que os dois camponeses, feitos
prisioneiros, se reencontram em meio a uma multidão
de
cativos que percorrem uma longa escadaria em sentidos
opostos. Ou na impressionante seqüência coreografada
do ritual do fogo.
Ao contrário do que se vê na maioria dos
filmes de
época de Kurosawa, A Fortaleza Escondida
não aparenta
estar preso a um padrão de rígida reconstituição
histórica. Seu argumento parece atemporal. Dois
camponeses, arruinados após combater em uma guerra,
tentam voltar para casa. Se deparam com um tesouro em
ouro pertencente ao quase extinto clã dos Akizuki.
Com
a promessa de divisão do tesouro, são
persuadidos pelo
general Rokurota a transportar o tesouro e (sem saber
de quem se trata) ajudá-lo a escoltar uma jovem
princesa, última remanescente dos Akizuki, através
de
território inimigo. Apesar da figura nobre e
heróica
do general (interpretado por Toshiro Mifune), quem se
sobressai são os dois camponeses. Dotados de
um misto
de ingenuidade e esperteza, movidos quase sempre pela
ganância e covardia, são figuras essencialmente
humanas, depositários do que isso teria de melhor
e
pior. Mas caracterizados sempre dentro dos conceitos
clássicos de bufões. São personagens
que poderiam ser
perfeitamente representados por duplas como Laurel &
Hardy, Oscarito & Grande Otelo ou mesmo Renato Aragão
& Dedé Santana com a mesma sutil intensidade
tragicômica.
O lado cômico do filme se encontra em equilíbrio
perfeito com sua faceta de aventura. As cenas de ação,
em especial o momento em que Mifune persegue dois
soldados a cavalos e, logo em seguida, duela com um
comandante adversário, são extremamente
envolventes.
E, mesmo em se tratando de entretenimento assumido,
temos presente um forte lado de crítica social
e
cultural, como por exemplo aos conceitos de honra e
fidelidade, quando é revelado que o general
sacrificara a vida da própria irmã, em
prol da
sobrevivência da princesa. Esta também,
obrigada a
passar por quase todo o tempo de ação
como uma
observadora, vem a destacar que a experiência
vivida
na fuga, pondo-a em contato com uma realidade, fora
essencial para ela, ao contrário da vida fútil
do
palácio. Mas mesmo sendo ela nobre em suas intenções,
durante todo o filme fica bastante demarcado um
distanciamento de classe, visto na forma sempre
autoritária e superior com que ela e o general
encaram
os camponeses.
A Fortaleza Escondida é, acima de tudo,
uma
constatação do poder do cinema como uma
forma
constante de criação e recepção
de influências. Muito
se falou sobre o fato dele ter sido uma das principais
(mas não a única) inspirações
para George Lucas ao
criar o Guerra nas Estrelas original: o resgate
de uma
princesa, liderado por uma figura heróica (Han
Solo) e
acompanhado por dois personagens periféricos
(a dupla
de robôs). Mas há que se observar que A
Fortaleza
Escondida, como também muito do cinema de
Kurosawa na
época, bebe nas águas da estrutura dos
westerns de
John Ford e também na temática do esforço
inútil
recorrente na obra de John Huston. Prova
inquestionável de uma característica que
muitos
destacam, a meu ver não merecidamente, como deletéria
para Kurosawa: a forte presença de elementos
ocidentais em sua obra, em oposição a
alguns de seus
contemporâneos, como Ozu e Mizoguchi.
Finalmente uma nota de pesar. Mesmo considerando o
precioso trabalho em scope de A Fortaleza Escondida,
a cópia em DVD lançada há pouco
tempo pela Continental
está formatada em letterbox, mas, inexplicavelmente,
em 1:1.85, cortando as laterais do quadro. Infelizmente,
ainda há que se aguardar mais tempo para que
o filme
seja apreciado em toda sua amplitude.
Gilberto Silva Jr.
(DVD Continental)
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